FEITO INÉDITO

Vacina contra hanseníase reescreve história da doença

Colônia de hansenianos de Betim, no Citrolândia, foi a maior da América Latina

Por Iêva Tatiana

Publicado em 16 de novembro de 2024 | 09:00

 
 
Teste da LepVax no Brasil será o primeiro a ser realizado em um território com transmissão da doença Teste da LepVax no Brasil será o primeiro a ser realizado em um território com transmissão da doença Foto: Gutemberg Brito/Fiocruz

Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) estão perto de virar uma página importante de uma história que tem muito a ver com Betim, cidade que abrigou a maior colônia de hansenianos da América Latina, chegando a comportar, simultaneamente, 6.000 pacientes na década de 1960. Agora, com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), profissionais da Fiocruz darão início à realização de testes clínicos de uma vacina inédita contra a hanseníase. Se os resultados forem positivos, o imunizante, chamado LepVax, poderá ser incorporado ao Calendário Nacional de Vacinação futuramente, afastando o fantasma de uma enfermidade ainda hoje cercada por muito preconceito e desinformação.

“O Brasil concentra 90% dos casos de hanseníase das Américas. A cada quatro minutos, é feito um novo registro no mundo. A OMS [Organização Mundial da Saúde] já apontou que precisamos de novas ferramentas para controle da doença, e as pessoas afetadas pela hanseníase merecem uma vacina”, afirma a chefe substituta do Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e líder científica do ensaio clínico da LepVax, a imunologista Verônica Schmitz.

Embora os primeiros registros da patologia tenham sido feitos há mais de 4.000 anos – fazendo dela uma das mais antigas do mundo –, até hoje não existe uma vacina. Segundo a Fiocruz, as populações em vulnerabilidade são as mais afetadas.

“Um dos grandes problemas da hanseníase no país e no mundo é ser classificada pela OMS como uma doença negligenciada, que atinge as camadas mais pobres da sociedade, mas não recebe investimentos em pesquisa nem em novos medicamentos. A medicação que se usa hoje é a mesma que as pessoas utilizavam aqui, na Colônia Santa Isabel, em Betim, na época do isolamento compulsório. Isso mostra como essa vacina é um avanço muito grande para a ciência, mas chega com 40, 50 anos de atraso, infelizmente”, ressalta o diretor nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Thiago Flores.

Antiga Colônia Santa Isabel era local de isolamento (Foto: Moisés Silva/O Tempo)

 

Imunizante traz esperança a quem sofre efeitos na pele

Atualmente, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de países com maior número de casos de hanseníase, ficando atrás apenas da Índia. Somente no ano passado, 22.773 novos diagnósticos foram feitos em território brasileiro, segundo o Ministério da Saúde. Na região metropolitana – que não é considerada endêmica –, os registros giram em torno de 200 por ano.

O anúncio dos testes clínicos da vacina traz esperança a quem sofre na pele os efeitos da enfermidade, sobretudo nos municípios em que os pacientes foram internados compulsoriamente e isolados, como ocorreu em Betim, na Colônia Santa Isabel. Hoje, ainda existem cerca de 400 pacientes remanescentes daquela época.
“Essa vacina vem para trazer um pouco de esperança às pessoas que estão em locais com grande número de transmissão da doença e também para acreditarmos que, daqui a alguns anos, não existirão mais doentes nem ‘sequelados’ pela hanseníase”, afirma o diretor nacional do Morhan, Thiago Flores.