Elisabeth garante que não vai desistir até conseguir uma reparação para a filha
Foto: Brandon Santos
Elisabeth garante que não vai desistir até conseguir uma reparação para a filha
Foto: Brandon Santos
“Eu mesma não sei o que aconteceu comigo. Como vou entender se nem eles me dão a resposta?”. A indagação é de Quécia Gonçalves da Silva, de 26 anos. A jovem ficou paralítica aos 2 anos de idade, após a aplicação de uma injeção de Benzetacil, conforme denunciado pela família, que trava uma batalha judicial desde então. O episódio ocorreu em uma unidade de saúde administrada pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), na Colônia Santa Isabel, na região do Citrolândia, em 2002. De acordo com Elisabeth Gonçalves da Silva, mãe de Quécia, a menina foi levada ao pronto atendimento por conta de pequenas feridas na cabeça e um quadro febril. Logo após receber a dose do medicamento, ela apresentou fraqueza nas pernas e não conseguiu mais urinar. A partir dali, teve início uma saga em busca de explicações, tratamento e justiça.
“Um médico chegou a afirmar que tinham acertado o nervo ciático, mas não me entregou nenhum exame. Depois, pensaram que poderia ser meningite e nos colocaram no isolamento até descartarem essa suspeita. Por fim, alegaram que o problema foi causado por um tumor na medula, e ela passou por uma cirurgia no Hospital Regional, em 2003. Pedi que me mostrassem o tumor em um vidrinho e também os resultados dos exames, mas nunca apresentaram nada”, lembra.
Diante do impasse, a família acionou a Justiça. Contudo, o processo, que se arrasta há mais de duas décadas e acumula mais de mil páginas, parece ainda estar longe de uma solução, já que nenhuma perícia médica foi feita até hoje, embora 15 profissionais tenham sido nomeados nesse intervalo. “Toda vez que um perito é sorteado, ele declina [de fazer a perícia] ou uma das partes apresenta impugnação”, diz o advogado da família, Rodrigo Barroso. A última nomeação para perícia ocorreu em julho do ano passado, mas, no mês seguinte, o município pediu a revogação do procedimento, alegando que a perita indicada não seria imparcial. “Estamos de mãos atadas. O Judiciário tem que definir se vai ou não deferir o pedido do município e abrir outro processo para contratação de um perito”, ressalta Barroso.
Em nota, a Fhemig afirmou que “adota rigorosos protocolos de segurança e de qualidade em todos os procedimentos realizados em suas unidades, mantém um corpo clínico altamente qualificado e investe continuamente em programas de aprimoramento e treinamento de suas equipes”.
Já o TJMG ressaltou que “o cerne da questão reside na comprovação do nexo de causalidade entre a conduta médica praticada na unidade de saúde e o subsequente quadro de paralisia e asseverada tetraplegia da autora” e que “o processo permanece em fase de instrução pericial, sendo esta a principal pendência que impede o avanço para a fase decisória” (leia a nota na íntegra no fim da matéria).
Também procurado pela reportagem, o município de Betim não tinha se posicionado sobre o caso até a publicação desta matéria.
A luta da família de Quécia Gonçalves da Silva por uma reparação vem sendo acompanhada desde o início pelo O TEMPO Betim. Uma matéria publicada em março de 2004 relatou o drama vivido pela família desde a suposta aplicação errônea da injeção que teria tirado o movimento dos membros inferiores da garotinha de apenas 2 anos.
Naquela ocasião, a mãe, Elisabeth Gonçalves da Silva, falava da dor em ver a filha em uma cadeira de rodas e das dificuldades financeiras enfrentadas pela família para manter os cuidados com a saúde da menina. “A nossa vida acabou por causa de uma terrível irresponsabilidade”, disse.
Do outro lado, o então diretor da Fhemig, Shigeru Ricardo, apontava um possível tumor na medula da criança como causa da paralisia. “Não tem nada a ver com a injeção”, assegurou o dirigente na época.
Íntegra da nota do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
A ação judicial, tipificada como Procedimento Comum Cível com pedido de indenização por alegado erro médico, foi proposta originalmente em janeiro de 2005, quando a autora, Quecia Gonçalves da Silva, contava com apenas 3 (três) anos de idade, sendo representada legalmente por sua mãe, Elizabeth Gonçalves da Silva. A pretensão inicial sustenta que a criança sofreu uma lesão grave que a deixou paraplégica após a aplicação de uma injeção de Benzetacil em uma unidade hospitalar da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) na Colônia Santa Isabel, localizada em Betim/MG. Ao longo da tramitação, antes de sua virtualização, a causa de pedir foi reiterada, baseando-se na alegação de negligência médica e na busca pela responsabilização objetiva das entidades públicas envolvidas, conforme o regime jurídico de responsabilidade civil do Estado.
O cerne da questão reside na comprovação do nexo de causalidade entre a conduta médica praticada na unidade de saúde e o subsequente quadro de paralisia e asseverada tetraplegia da autora, bem como os danos estéticos decorrentes, incluindo problemas no braço e na mão direita (gigantismo) e feridas nos pés, conforme se depreende das petições e dos documentos novos juntados recentemente pela parte autora.
É imprescindível salientar o longo percurso temporal desta demanda. A ação foi ajuizada em janeiro de 2005, e a narrativa dos autos, inclusive nas manifestações das partes, indica que o processo se arrastou por quase duas décadas sem que a prova pericial essencial fosse efetivamente produzida.
Conforme a pesquisa realizada nos registros internos e a análise dos documentos acostados, o processo tramitou inicialmente, sob a forma física (autos tradicionais), na Comarca de Betim, em Varas de competência cível genérica. A transferência para esta Vara Empresarial, da Fazenda Pública e Autarquias, de Registros Públicos e de Acidentes do Trabalho da Comarca de Betim, em decorrência da organização judiciária e a especialização de matérias envolvendo a Fazenda Pública, ocorreu em Dezembro de 2019, momento que marca o aporto dos autos a esta unidade judiciária especializada.
O elemento de maior destaque no histórico recente do processo, e que perpetua a sua não resolução, é a vasta e contínua dificuldade em produzir a prova pericial médica na especialidade adequada. Foram ao menos 15 (quinze) tentativas de nomeação de peritos teriam sido frustradas por declinação ou recusa dos profissionais.
O despacho saneador, datado de 07 de outubro de 2019 (ID 6412183007), já havia determinado a inversão do ônus da prova, atendendo à hipossuficiência da autora frente aos entes públicos e médicos réus. Este ato judicial confirmou a necessidade de produção de prova pericial, que se tornou a prova mais importante para o julgamento do mérito.
Todos esses fatos demonstram a persistente e grave dificuldade do Juízo em viabilizar a prova técnica essencial, o que, somado à antiguidade da demanda e à gravidade das lesões da autora (que é cadeirante desde os três anos), representa um quadro de extrema complexidade na condução processual, apesar dos esforços da unidade em buscar a celeridade e a efetividade da jurisdição.
Um aspecto secundário que contribuiu para o tumulto processual, foi o conflito ético-profissional entre advogados. O Dr. Amarildo Ezequiel da Silva se manifestou em novembro de 2021 contra a atuação do Dr. Fernando Antonio Santos de Santana, alegando que este último estaria inerte por anos e que sua procuração, outorgada pela genitora da autora, estaria viciada, pleiteando sua exclusão das intimações. O Dr. Fernando Antonio Santos de Santana, por sua vez, defendeu sua atuação histórica no processo e acusou o Dr. Amarildo Ezequiel da Silva de conduta antiética e de deslealdade processual, notadamente por ter assumido o patrocínio sem a prévia comunicação ao antigo colega.
Posteriormente, em 20 de janeiro de 2022, o Dr. Fernando Antonio Santos de Santana, em um gesto de urbanidade e em prol da celeridade processual, declarou encerrada a discussão sobre a titularidade do processo, ressalvando, contudo, seu direito a honorários contratuais e sucumbenciais proporcionais ao trabalho realizado, solicitando uma certidão de inteiro teor para resguardar esse direito.
A narrativa da representação processual continuou a evoluir, pois em setembro de 2024, novos procuradores, Dr. Gustavo Henrique de Melo Flaviano e Dr. Rodrigo Geraldo Vieira Barroso, juntaram procuração, indicando que a autora, Quecia Gonçalves da Silva, constituiu novos advogados, revogando o mandato anterior. Em 24 de outubro de 2024, o Dr. Amarildo Ezequiel da Silva informou ao juízo que havia sido acometido por grave enfermidade (Dengue Tipo B e Pneumonia Grave, com internação de 07/04/2024 a 02/08/2024), fator que o impediu de advogar e que justificou a autora contratar novos patronos. Ele também pleiteou o reconhecimento de seu direito a honorários de sucumbência proporcionais, citando o grau de zelo e a atuação ativa na fase de conhecimento (ID 10332721805).
Até a presente data, 05 de novembro de 2025, o processo permanece em fase de instrução pericial, sendo esta a principal pendência que impede o avanço para a fase decisória.
Apesar dos reiterados pedidos de urgência e dos claros indicativos de que a instrução está sendo demorada pois a perícia médica especializada na área neurológica, crucial para a apuração da responsabilidade civil dos réus, ainda não foi realizada, dada a conjunção de recusas de peritos cadastrados e a controvérsia sobre o custeio dos honorários periciais em face da assistência judiciária gratuita concedida à autora.