O MAPA DO DESPERDÍCIO

Betim é a 9ª cidade mais populosa do Brasil em perdas de distribuição de água

Estudo de 2023 do Instituto Trata Brasil revela que mais da metade da água produzida na cidade é desperdiçada

Por Lisley Alvarenga

Publicado em 05 de dezembro de 2025 | 09:00

 
 
Válvula de adutora da Copasa vazou em 2023 no bairro Alvorada, em Betim, e grande volume de água jorrou pra cima por horas Válvula de adutora da Copasa vazou em 2023 no bairro Alvorada, em Betim, e grande volume de água jorrou pra cima por horas Foto: Nelson Batista

Betim é a nona colocada entre os cem municípios mais populosos do Brasil com as piores taxas de perdas na distribuição de água, segundo levantamento divulgado recentemente pelo Instituto Trata Brasil, com apoio da GO Associados. A pesquisa é elaborada a partir de dados públicos do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa). O Estudo de Perdas de Água 2025, com base em números de 2023, mostrou que o município alcançou 54,39% de desperdício, o que significa que mais da metade da água tratada e produzida na cidade não chega ao consumidor final.

Pelo levantamento, que analisa os níveis de ineficiência nos sistemas de abastecimento de água do país, Betim está atrás de Maceió (AL), Belém (PA), Várzea Grande (MT), Ribeirão das Neves, Rio Branco (AC), Cuiabá (MT), Piracicaba (SP) e Salvador (BA). A situação é ainda mais crítica em relação aos dados de Minas – o estado aparece com um índice de 36,22% em perdas de distribuição de água – a média no Brasil é de 40,31%.

A presidente executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Pretto, alerta que as altas taxas de desperdício, como as observadas em Betim, têm um impacto negativo não só para os recursos hídricos da região, mas também para a qualidade de vida da população e para o meio ambiente.

“Em cidades como Betim, o desperdício sobrecarrega os mananciais e pode levar à superexploração de rios, córregos e reservatórios, comprometendo a capacidade de regeneração natural desses recursos”, explica Luana.

Conforme o Ranking do Saneamento 2025, outro estudo elaborado pelo Instituto Trata Brasil, que analisa não apenas as perdas na distribuição, mas também o acesso à água, à coleta, ao tratamento de esgoto e a investimentos, Betim aparece na 65ª posição, uma queda de três colocações em relação ao ranking de 2024. 

Baixo investimento

Segundo Luana Pretto, o investimento anual em saneamento em Betim é de R$ 55,34 por habitante, valor que é quatro vezes menor que os R$ 223,82 recomendados pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) para se alcançar a universalização do saneamento até 2033, que prevê a garantia de 99% de acesso à água potável para a população, 90% de coleta e tratamento de esgoto e, no máximo, 25% de perdas na distribuição de água, percentual definido pela Portaria 490/2021, do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. 

Políticas públicas

Para a presidente executiva do Instituto Trata Brasil, a redução das perdas de água deve ser tratada como uma prioridade pelas concessionárias, pelos gestores públicos e também pela população. “É essencial que os municípios e o estado priorizem os investimentos em infraestrutura. Para isso, é preciso que haja uma ação coordenada entre as autoridades locais e a concessionária responsável pela distribuição de água – no caso de Minas, a Copasa – além de um compromisso político de longo prazo com o saneamento.

Segundo Luana, em cidades industriais como Betim é preciso criar políticas públicas que integrem a modernização das redes de distribuição e incentivem a conscientização da população sobre o uso responsável da água. “É fundamental que se direcionem esforços para modernizar os sistemas de distribuição, substituindo redes antigas e sistemas obsoletos, além de implementar tecnologias de monitoramento que permitam a identificação de vazamentos e furtos e se buscar agilidade nos consertos.

“A conscientização da população para o uso racional da água também é um ponto- chave, mas, sem uma ação estruturada, as perdas de água vão continuar crescendo”, finaliza a especialista. 

Impactos do desperdício

Luana Pretto salienta que o desperdício de água em Betim, representado pelos altos índices de perdas no sistema de distribuição (54,39%), tem um impacto direto e significativo sobre os recursos hídricos locais.

“Quando mais da metade da água tratada é desperdiçada, como ocorre no município, há uma pressão crescente sobre os mananciais na tentativa de suprir a demanda, especialmente em áreas urbanas e industriais que já possuem consumo elevado. Essa sobrecarga pode levar à superexploração de rios, córregos, e aquíferos (represas), comprometendo a capacidade de regeneração natural desses recursos”, salienta a especialista. 

Perda de água pode aumentar tarifa e reduzir cobertura, diz especialista

Professor do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marcelo Libânio explica que, quando uma empresa de abastecimento perde mais da metade da água que produz, o sistema de distribuição pode enfrentar, sobretudo, dois impactos: aumento das tarifas e redução da cobertura do serviço, ou seja, menos pessoas podem ser atendidas com água potável.

“A qualidade da água não é afetada, pois as normas são rigorosamente fiscalizadas há mais de 25 anos. Porém, esse cenário de desperdício pode gerar aumento das tarifas, o que depende da aprovação da agência reguladora, ou diminuição da ampliação da cobertura do sistema, afetando o atendimento à população”, detalha o especialista.

Estudo divulgado pelo Instituto Trata Brasil, elaborado com base em estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2023 e intitulado “A vida sem saneamento: para quem falta e onde mora essa população?”, aponta que 8,916 milhões de moradias no Brasil (12% do total de residências no país) não estavam ligadas à rede geral de abastecimento de água tratada em 2022, um cenário que afetava 27,2 milhões de pessoas. 

“Essas perdas elevadas da distribuição de água complicam ainda mais a possibilidade de aumentar a cobertura do serviço, dificultando avanços essenciais para a população”, salientou o professor. 

Para enfrentar essas dificuldades, o professor Marcelo Libânio propõe medidas conhecidas: reduzir a pressão nas redes para conter vazamentos; renovar as tubulações, especialmente as mais antigas, que são responsáveis por maiores perdas; combater fraudes e investir na conscientização da população sobre o uso racional da água. 

“Em um cenário de seca, como o deste ano, por exemplo, controlar as perdas se torna fundamental pra evitar escolhas drásticas, como o aumento de tarifas ou a paralisação da expansão do atendimento à população”, conclui o professor da UFMG. 

Copasa fala sobre investimentos

A Copasa informa que desenvolve um amplo plano de investimento voltado para modernizar a infraestrutura e reduzir perdas de água na região metropolitana, incluindo Betim. A empresa declarou, por meio de nota, que até o ano de 2033 está previsto o emprego de R$ 3,7 bilhões em ações que visam diminuir o índice de perdas de 37,6% para 25%. 

“Desse total, R$ 1 bilhão será destinado à troca de hidrômetros, e R$ 2,7 bilhões serão usados em contratos de performance em 11 subáreas da região, com foco no combate a fraudes, detecção de vazamentos não visíveis”, diz o texto. 

A companhia informou que, em Betim, os investimentos contemplam obras estruturantes como a implantação de uma nova adutora, que atravessará Sarzedo e Mário Campos, com aporte inicial de R$ 400 milhões, e a construção de um reservatório de 10 mil litros. Ainda conforme a Copasa, a modernização das redes ocorre por meio de métodos não destrutivos.

A reportagem acionou a prefeitura, que não se manifestou.