INVESTIGAÇÃO

Enquete criada em condomínio de Betim para resolver 'problema' de cães de rua vira caso de polícia

Ministério Público e Polícia Civil apuram denúncia de que alguns moradores planejam 'eliminar' do local cachorros sem tutores que ali vivem

Por Daniele Marzano

Publicado em 27 de junho de 2025 | 05:17

 
 
Prints de conversas do grupo de moradores do condomínio mostram placar da votação Prints de conversas do grupo de moradores do condomínio mostram placar da votação Foto: Reprodução de redes sociais

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) estão investigando a denúncia envolvendo uma enquete criada por moradores de um condomínio localizado na região da Várzea das Flores com “soluções” que sugerem maus-tratos aos cães de rua que vivem no local.

A enquete foi criada há uma semana, e a “opção” mais votada até então – por 66 moradores – foi soltar esses cães fora do conjunto de moradias – atualmente, são cerca de 260 habitadas. Apenas seis moradores optaram pela segunda opção colocada na enquete: “encaminhar para o canil do condomínio e fazer campanha para adoção”. Mas o que mais chocou protetores de animais que tiveram acesso aos prints de conversas do grupo de WhatsApp foi a sugestão de uma moradora de “dar veneno a esses pulguentos”. 

Indignados com a situação, esses protetores acionaram órgãos como o Ministério Público, a Polícia do Meio Ambiente e Secretaria Adjunta de Proteção Animal de Betim, a Sepa. Segundo um deles, que conversou com a reportagem sob a condição de anonimato, há cinco cães no local, sendo que dois deles, de acordo com ele, nasceram na mata próximo ao condomínio e lá vivem há sete anos. Outros três chegaram depois, após, supostamente, terem sido abandonados. Ainda de acordo com esse protetor, dois desses cães são castrados. Os outros, diz ele, são mais ariscos e fogem quando percebem que vão ser capturados. “Já tentamos pegar várias vezes, mas, como são do mato, eles têm medo e acabam fugindo”, contou. Os cães são alimentados por uma moradora que é protetora e dormem no meio do mato, segundo ela: “Eles não fazem nada de ruim com ninguém. São inocentes. A simples presença deles, ou um simples latido, já incomoda muitos”. 

Investigação 

Procuradora pela reportagem, a PCMG informou que apura a denúncia, registrada no domingo (22). “Um procedimento foi instaurado para a investigação dos fatos, e os envolvidos serão intimados nos próximos dias”, diz nota enviada pela corporação ao O Tempo Betim. O caso está a cargo da 3ª Delegacia de Polícia Civil. A 8ª Promotoria de Justiça da Comarca de Betim também abriu um procedimento para apurar a denúncia. Segundo o órgão, o representante do condomínio seria chamado pra prestar esclarecimento. A Sepa também recebeu a denúncia. Roberta Cabral, responsável pelo órgão da prefeitura, informou que uma equipe já procurou o condomínio para agendar uma visita em que os moradores serão orientados sobre os cuidados que devem ser tomados com esses cães, além de serem informados acerca das leis de proteção animal. “Os cães que vivem lá e que ainda não são castrados vamos capturar para castrar, pois, além de prevenir doenças, esse procedimento ajuda a evitar o aumento populacional de animais. É importante esclarecer a esses moradores que o crime de maus-tratos está previsto em lei, podendo resultar em aplicação de multa e até em prisão do autor”, explicou a secretária. A Sepa oferece serviços de castração gratuita em sua unidade e por meio do Castramóvel, que circula por todas as regiões. Em cinco anos, mais de 30 mil cães foram castrados na cidade, segundo o órgão.

'Mensagens covardes'

Aprovada em 2020, a Lei 14.064/2020, conhecida como Lei Sansão, prevê de dois a cinco anos de prisão, multa e proibição de guarda para quem maltratar, ferir, abusar ou mutilar cães e gatos. A lei é de autoria do deputado federal Fred Costa (PRD), que foi acionado por protetores de Betim para atuar nesse caso. 0 Indignação. À reportagem, o parlamentar disse que ficou “consternado ao ler essas mensagens desses covardes”. “Logo, já convoquei minha equipe jurídica para entrar em contato com a delegacia local de Betim. Peguei o número do boletim de ocorrência e mandei um ofício ao delegado”, disse. Fred Costa afirmou que acompanha de perto o caso junto à polícia. “Qualquer tipo de incitação à violência contra animais e vulneráveis deve ser combatida na raiz. Chega de impunidade! Mexeu com os animais, mexeu comigo”, concluiu.

Posicionamento do condomínio

O presidente do condomínio, que, segundo ele, é, na verdade, uma associação, esclareceu que a enquete foi criada por um dos moradores e que dela participou apenas um grupo de residentes do local. Ele afirmou que não se tratou de uma iniciativa oficial da associação e tampouco representa o posicionamento dela. “Essa enquete foi criada sob o calor da emoção, após um animal de estimação de uma moradora ter sido atacado por um desses cães”, detalhou o presidente.

Ele disse que seu posicionamento enquanto representante é favorável à legalidade. “Todos temos direitos e deveres, e o condomínio tem ciência de que os cães de rua são um problema social, um problema que é de todos. Por isso, nós damos a nossa contribuição. Nesta semana, por exemplo, já levamos um desses cães para ser castrado pela Sepa e vamos tentar a adoção dele”, informou, garantindo que nunca houve agressão aos animais de rua lá. Ele conversou com a reportagem nessa quinta (26) e disse que já havia sido chamado para prestar esclarecimento ao Ministério Público. 

O vice-presidente, porém, afirmou que já presenciou cenas de maus-tratos aos cães no local. “Eu não aceito o que esse grupo de moradores quer fazer e, nessa tal enquete, optei por encaminhar os cachorros para adoção. Sou um dos poucos do condomínio que ajudam a cuidar desses bichinhos. Inclusive, tenho quatro cachorros em casa, e um deles é resgatado”, contou ele, que relatou já ter presenciado moradores dando chutes e xingando os animais sem tutores. “Acho um absurdo o que estão fazendo, e essas pessoas têm que pagar por isso”, concluiu.

Denuncie

Para denunciar casos de maustratos contra animais, o cidadão pode entrar em contato com a Sepa, pelo WhastApp (31) 99830-2954; com a Guarda Municipal, pelo 153; ou com a Polícia Militar, pelo 190.