CARDIOPATIA CONGÊNITA

Malformações no coração afetam um em cada cem bebês nascidos no país

Maioria dos casos não é grave, mas exige acompanhamento; diagnóstico precoce é fundamental

Por Iêva Tatiana

Publicado em 05 de julho de 2025 | 09:00

 
 
Márcia foi diagnosticada com cardiopatia congênita aos 39 anos, e Mariah Yasmin, aos 3 dias Márcia foi diagnosticada com cardiopatia congênita aos 39 anos, e Mariah Yasmin, aos 3 dias Foto: Arquivo pessoal/Montagem OTB

Mariah Yasmin tinha apenas 3 dias de vida quando recebeu o diagnóstico de uma condição de nome complexo e com potencial para mudar a sua vida recém-iniciada para sempre: defeito do septo atrioventricular (DSAV) total - tipo B de Rastelli, uma condição rara em que ocorre uma comunicação anormal entre as quatro câmaras do coração (dois átrios e dois ventrículos). Os sintomas incluem sudorese em excesso, dificuldade de ganho de peso, insuficiência cardíaca, cansaço excessivo e infecções respiratórias frequentes.

Nascida no Centro Materno Infantil (CMI) de Betim, a pequena teve a condição identificada por meio do teste do coraçãozinho, realizado na própria unidade de saúde. Com 6 meses de idade, a menina se prepara para a sua primeira cirurgia, que precisa ser realizada antes de ela completar 1 ano. “É uma cardiopatia de hiperfluxo pulmonar. Se ela não for operada no tempo esperado, poderá desenvolver uma hipertensão pulmonar inoperável”, explica a mãe, a auxiliar administrativo Suelen Gusmão, de 25 anos.

Segundo ela, depois do procedimento, a filha terá uma vida normal, dispensando os cuidados que a condição exige da família hoje, já que uma simples gripe pode evoluir para um quadro de infecção respiratória grave. “Ela tem consultas de controle rigoroso, toma medicação todos os dias e, principalmente, recebe muito amor”, afirma a mãe, ressaltando que a bebê é um milagre: “Desde o diagnóstico, não tivemos nenhuma intercorrência. Ela teve alta e segue fazendo acompanhamento com um cardiologista pediátrico no Centro de Referência em Especialidades Divino Ferreira Braga enquanto aguardamos a tão sonhada vaga para a cirurgia de correção”, completa Suelen. 

Incidência

O caso de Mariah Yasmin engrossa as estatísticas nacionais: a cada cem bebês nascidos no Brasil, um apresenta algum tipo de cardiopatia congênita, como são chamadas as anomalias na estrutura ou na função do coração decorrentes de uma malformação ainda na fase embrionária. Essa média resulta em 29 mil a 30 mil novos casos por ano no país, de acordo com o Ministério da Saúde.

Apesar dos números elevados, a condição ainda é pouco conhecida, o que motivou a instituição do Dia Nacional de Conscientização da Cardiopatia Congênita, celebrado em 12 de junho, por conta do Dia dos Namorados, data romântica que faz alusão ao coração. O objetivo, segundo o governo federal, é propagar informações sobre sinais e sintomas, bem como incentivar doações para apoiar pesquisas e instituições de atendimento a crianças cardiopatas.

Segundo o cardiologista pediátrico e coordenador da neonatologia do CMI, Dinamar dos Santos Neto, a identificação dessa condição pode ser feita ainda na gestação ou após o nascimento, com o teste do coraçãozinho, como ocorreu com Mariah. “Por isso, é fundamental um pré-natal bem-feito. O ultrassom morfológico já fornece pistas e, a partir delas, pode-se solicitar um ecocardiograma fetal.”, frisa o médico.

Apesar de soarem assustadoras, as cardiopatias congênitas não são graves na maioria dos casos. Os mais complexos representam cerca de 20% de todos os pacientes diagnosticados anualmente, segundo Santos Neto. “Elas precisam ser acompanhadas ao longo da vida, mas muitas não requerem nem cirurgia. Daí a importância de um diagnóstico correto e do acompanhamento com um profissional especializado”, sublinha.

Diagnóstico tardio é um complicador

A servidora pública Márcia Oliveira, de 43 anos, também nasceu com uma malformação no coração, mas só descobriu sua condição aos 39, depois de anos de arritmias, síncopes e busca por respostas, além de tratamentos equivocados para ansiedade e outras patologias. O diagnóstico de origem anômala da artéria coronária esquerda no seio coronariano direito, com trajeto interarterial (variante maligna) veio acompanhado de vários procedimentos cirúrgicos e internações. 

Segundo Márcia, os primeiros sinais de que havia algo errado surgiram aos 30 anos. “Sentia um desconforto muito grande no peito e arritmias súbitas - que ocorriam sentada, em pé, parada - seguidas de síncopes. Procurei um cardiologista e, depois de vários exames, fui diagnosticada com taquicardia supraventricular. Meu coração ultrapassava os 200 batimentos por minuto”, diz.

A servidora pública conta que, durante quatro anos, o médico que a acompanhava optou por um tratamento medicamentoso, mas, diante do insucesso e das arritmias ainda mais acentuadas, ele decidiu fazer uma ablação (procedimento para remover tecido do órgão). “No entanto, tive um bloqueio total do átrio ventricular. Acordei no CTI e, após 48 horas, em fevereiro de 2017, implantaram um marcapasso. No entanto, continuei passando mal, com dor e desmaios”, relembra. 

Neste ano, Márcia também foi diagnosticada com disautonomia, uma disfunção do sistema nervoso autônomo que afeta as funções involuntárias do corpo. “Há dias em que estou bem, e, em outros, tenho síncopes devido ao quadro de cardiopatia. Hoje, tenho um acompanhamento multidisciplinar e vivo um dia após o outro”.

Para ela, que viveu três décadas em descompasso com o próprio coração, as ações de conscientização da cardiopatia congênita deveriam pulsar com mais vigor. “Juntos, comunidade, municípios e governantes podem fazer cada coração bater com mais força, esperança e dignidade”, conclui.