Quando soube que seria pai em 2018, Leandro Augusto Câmara Bohrer, de 40 anos, não teve dúvidas: algo precisava mudar. Funcionário público da Prefeitura de Betim há 12 anos, ele avaliou que seu salário não seria mais o suficiente pra oferecer o conforto que desejava ter nesta nova fase da vida. “Foi aí que resolvi acender a churrasqueira”, contou.
Com formação em gastronomia e cursos de churrasqueiro no currículo, Bohrer transformou a paixão pela culinária em um negócio paralelo, que hoje ajuda a manter as contas em dia. “Tem mês que dá para tirar até R$ 4.500. É puxado, mas necessário”, disse ele.
Bohrer é um dos milhares de brasileiros que recorreram ao chamado “bico” para completar o orçamento. De acordo com a pesquisa “Viver nas cidades: desigualdades e mobilidade social”, da Ipsos-Ipec, uma empresa mundial de pesquisa de opinião, 56% dos brasileiros precisaram buscar atividades extras para complementar a renda nos últimos 12 meses, principalmente por meio de trabalhos informais.
Entre as atividades extras mais procuradas como complementação de renda estão as de serviços gerais, venda de roupas e outros artigos usados e produção de alimentos em casa.
Psicóloga e motorista de transporte de passageiros nas horas vagas, Kátia Pollyana Guimarães de Oliveira, de 32 anos, também sente o peso de manter a casa com filhos pequenos. “Hoje, minha ocupação principal é a psicologia, mas ainda não consigo viver só dela. Encontrei no Uber uma forma de complementar a renda. Minha rotina é puxada, e essa sobrecarga me cansa mais mentalmente do que fisicamente. Hoje, me sinto cansada e sobrecarregada”, desabafou ela.
Moradora do bairro Nossa Senhora das Graças, Kátia vive com os filhos de 2 e 7 anos e conta com a ajuda da mãe, que mora perto da sua casa, para dar conta de tudo. “É uma rede de apoio essencial. Muitas vezes, trabalho mais de dez horas por dia. Se não trabalho, não recebo. Mesmo com todo esse esforço, ainda lido com dívidas e imprevistos que desequilibram o orçamento”, contou ela.
Assim como Kátia, Bohrer também sente a sobrecarga de ter uma jornada dupla de trabalho. “Eu até gostaria de ficar com a família no fim de semana, mas não dá. Faço os eventos, que acontecem geralmente sábado ou domingo, quando não estou de plantão do trabalho na prefeitura. Então, meu descanso vai embora”, explicou ele, que já chegou a organizar um churrasco para 280 pessoas.
O levantamento da Ipsos-Ipec apontou ainda que 68% dos brasileiros entrevistados que fazem bicos têm renda mensal familiar de até dois salários mínimos, 68% deles possuem ou convivem com pessoas com deficiência (PCDs), 62% têm apenas ensino médio, 65% são das classes D e E e 63% deles se consideram pretos e pardos.
Recorrer ao bico como alternativa financeira pode parecer uma solução rápida, mas não resolve o problema estrutural da renda, segundo o educador financeiro e administrador com MBA em gestão comercial Rodrigo Schumacher. “A informalidade afeta diretamente a economia formal, reduz a arrecadação de impostos e prejudica investimentos em áreas essenciais como saúde e educação”, afirmou.
Segundo o especialista, a sobrecarga de trabalho gerada por essa dupla jornada também tem impacto direto na qualidade de vida das famílias. “Muitos pais abrem mão de momentos com os filhos para gerar renda, o que causa estresse, impaciência e esgota a saúde mental. Esse é um caminho perigoso, porque o cansaço cobra seu preço e, com o tempo, nem o trabalho principal nem o bico são sustentáveis”, alertou.
Além dos impactos pessoais e sociais, a busca por renda imediata impede o desenvolvimento profissional de longo prazo, completou o educador financeiro. “A pessoa deixa de investir em sua profissão principal ou naquilo que realmente gosta e acaba trabalhando apenas pelo dinheiro. Isso compromete chances de crescimento, promoções ou até de empreender de forma estruturada”, avaliou o especialista. “É fundamental que os trabalhadores busquem capacitação e planejamento, mesmo com poucos recursos”, finalizou Schumacher.