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Sete tradições vivas: Betim preserva bens imateriais que contam a história do seu povo

Registrados pelo município, patrimônios imateriais mantêm práticas, saberes e celebrações que atravessam gerações e fortalecem a identidade cultural da cidade

Por Marcio Antunes

Publicado em 18 de dezembro de 2025 | 15:53

 
 
Reconhecida como bem imaterial em 2024, a Cultura Carnavalesca de Betim foi a última a entrar na lista Reconhecida como bem imaterial em 2024, a Cultura Carnavalesca de Betim foi a última a entrar na lista Foto: Carolina Miranda

Assim como ruas, prédios e monumentos ajudam a contar a história de uma cidade, são as práticas, os saberes e as celebrações populares que revelam como um povo vive, se organiza e se reconhece. Em Betim, sete bens culturais imateriais estão oficialmente registrados pelo município como forma de preservar tradições que não se materializam em objetos físicos, mas que carregam profundo valor simbólico, social e histórico. São manifestações transmitidas de geração em geração, que seguem vivas no cotidiano das comunidades.

Esta é a segunda reportagem especial de O Tempo Betim dedicada ao patrimônio cultural da cidade. Na edição anterior, o destaque foi para seis bens materiais pouco conhecidos pela população. Agora, o foco se volta aos bens imateriais, cuja importância está diretamente ligada à memória coletiva, aos modos de fazer e às formas de viver do povo betinense. As informações foram reunidas a partir de pesquisas e relatos do historiador e pesquisador André Bueno, responsável por estudos que embasam o reconhecimento desses patrimônios.

Ao registrar esses sete bens imateriais, Betim reafirma que cultura não é apenas memória do passado, mas prática cotidiana que sustenta a vida comunitária. "Como diria Frei Chico,  quando a cultura morre, a comunidade também morre. Preservar essas tradições é, portanto, preservar o próprio sentido de pertencimento e continuidade do povo betinense”, completa Bueno. 

Bens Imateriais registrados: 

Folia de Reis do bairro Santo Afonso

Manifestação centenária, a Folia de Reis do bairro Santo Afonso é uma tradição familiar mantida, atualmente, por Osmar Gonçalves Diniz e dona Maria. Enquadrada como bem imaterial de caráter festivo em 2011, a folia acontece na região do bairro Santo Afonso, na região do Vianópolis, e envolve majoritariamente membros da própria família, que preservam os saberes passados de geração em geração.

A celebração ocorre entre os meses de dezembro e janeiro, com início em 25 de dezembro e encerramento após o dia 6 de janeiro, data da Epifania e dos Reis Magos. Além de percorrer a comunidade, a folia passou a integrar o calendário cultural da cidade, sendo convidada anualmente para apresentações na Casa da Cultura Josephina Bento e visitas a presépios em diferentes bairros de Betim.

Reinado de Nossa Senhora do Rosário – bairro Angola

O Reinado de Nossa Senhora do Rosário, do bairro Angola, foi registrado como bem imaterial em 2011, na categoria de festas religiosas. A manifestação acontece no Largo do Rosário, em torno da tradicional Capela do Rosário, e é administrada pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia e Nossa Senhora Aparecida.

Composto por quatro guardas de congado, o festejo tem início no último sábado de julho, com o hasteamento da bandeira de aviso. Durante o mês de agosto, a irmandade se mobiliza para a preparação da festa, que inclui novena e culmina no grande festejo em honra a Nossa Senhora do Rosário, realizado na capela do bairro Angola. 

Mestres, Rodas e Grupos de Capoeira de Betim

Os Mestres, Rodas e Grupos de Capoeira de Betim foram registrados em 2014 como bem imaterial, enquadrados nas subcategorias de práticas comunitárias, esportivas e culturais e também de saberes. A capoeira é praticada em diferentes regiões da cidade e carrega forte ligação com a cultura afro-brasileira de resistência, com referências históricas na Bahia e no Rio de Janeiro.

Além do reconhecimento municipal, a capoeira já possui reconhecimento federal como patrimônio cultural do Brasil. Em Betim, os grupos mantêm tradições próprias, com respeito mútuo entre si, e celebram o Dia do Capoeirista em 5 de fevereiro. A curiosidade desse bem está no seu papel educativo, que vai além da prática corporal, contribuindo para a formação humana e social de seus praticantes.

Ofício da Benzeção

Registrado em 2015, o Ofício da Benzeção está enquadrado na subcategoria dos saberes e é praticado em diversos pontos de Betim. Trata-se de uma tradição ligada à chamada saúde popular, exercida por senhoras e senhores que, historicamente, cuidavam das comunidades em um período em que não havia acesso ao sistema público de saúde nem à medicina formal.

A benzeção envolve o uso de chás, banhos e rezas, além de práticas associadas à religiosidade popular. Os benzedores e benzedeiras identificavam males como “quebranto” e “vento virado”, atuando como uma espécie de triagem comunitária. A curiosidade desse bem está justamente no seu papel histórico como alternativa de cuidado e acolhimento, unindo fé, conhecimento tradicional e solidariedade.

Salão do Encontro

Registrado em 2017, o Salão do Encontro está localizado na rua João da Silva Santos, nº 34, no bairro Angola, e é enquadrado nas subcategorias de lugares e práticas comunitárias. O bem está diretamente ligado à trajetória de dona Noemi Gontijo, idealizadora do espaço, que se tornou referência na unificação de importantes ofícios tradicionais.

No Salão do Encontro, recentemente reconhecido como museu, práticas como o artesanato, a tecelagem, a marcenaria e a cerâmica se consolidaram como elementos centrais da identidade do local. Gerido por uma instituição, o bem se destaca pela relação indissociável entre a história de dona Noemi e os ofícios ali desenvolvidos. Atualmente, é o primeiro bem imaterial de Betim a passar por um processo de revalidação, que avalia se as motivações que levaram ao seu reconhecimento seguem vivas na sociedade.

Reinado de Nossa Senhora do Rosário da Colônia Santa Isabel

Registrado em 2020, o Reinado de Nossa Senhora do Rosário da Colônia Santa Isabel também integra a categoria de festas religiosas. A manifestação é marcada pela resiliência do congado em um território historicamente atravessado pela exclusão e pelo preconceito, especialmente em função da hanseníase e das restrições impostas às expressões culturais afro-brasileiras ao longo do século XX.

A retomada da tradição teve marcos importantes: a primeira missa conga em 2011, a festa do rosário em 2012 e a criação da guarda em 2013. A festa acontece no mês de maio, por sua ligação com o mês de Maria, das mães e da abolição da escravatura. Sua principal singularidade é a retirada da imagem de Nossa Senhora do Rio Paraopeba, uma prática rara na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o que diferencia este reinado de outros existentes na cidade.

Cultura Carnavalesca

Reconhecida como bem imaterial em 2024, a Cultura Carnavalesca de Betim, a mais recentemente incluída nesta lista, está enquadrada na categoria festas e acontece em vários pontos da cidade, com destaque para a Rua do Rosário. Inicialmente pensada como reconhecimento do pré-Carnaval, a pesquisa apontou para um processo mais amplo, ligado à história e à retomada da tradição carnavalesca no município.

O Carnaval betinense teve forte presença nas décadas de 1970 e 1980, com escolas de samba e blocos, entrou em declínio nos anos 1990 e ressurgiu a partir de 2017. Desde então, o número de blocos cresceu de forma significativa, chegando a 23 no último festejo. A criação de uma liga carnavalesca e a chegada de uma escola de samba em 2026 reforçam a proteção e a continuidade desse bem cultural, considerado um dos mais seguros da cidade.