O sofá assassino | O TEMPO Betim
 
COLUNA

O sofá assassino

'Sem acostamento para situações de emergência, ligo para o 190, único número que me ocorreu no momento'

Por Laura Medioli

Publicado em 09 de fevereiro de 2024 | 20:09

 
 
Laura Medioli
Colunista de Opinião
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Passando pelo Anel Rodoviário, ouvindo música e pensando na vida, de repente me encontro numa situação complicada. Em plena rodovia, pulando na frente do meu carro, um enorme sofá branco. O carro da frente freia, e eu, sem saber se me desvio dele ou do sofá, ainda me preocupo com um terceiro veículo que vinha atrás. O sofá continua pulando. Se íamos para um lado, ele também, dando saltos homéricos na cena mais inusitada que já presenciei.

Após pulos e reviravoltas, resolve finalmente parar – exatamente no meio da rodovia. Se tivesse que medir o local, talvez não se posicionasse tão bem. Refazendo-me do susto, vejo-o pela última vez através do retrovisor. Aquela coisa magnífica de quatro lugares, intacto, apesar dos pesares, ocupando metade da pista, sem perder ao menos uma espuminha.

Adiante, o caminhão da transportadora, que, por incrível que pareça, sequer se deu conta do ocorrido. Procuro piscar, avisar de alguma forma, e ele, indiferente aos meus apelos, segue seu rumo. Pelo retrovisor vejo carros se desviando.

Sem acostamento para situações de emergência, ligo para o 190, único número que me ocorreu no momento. Pronto; dizer o quê à polícia? Que tinha um sofá “chiquérrimo” (pela resistência devia ser coisa muito boa), exatamente no meio da rodovia? E que o transportador havia sumido? E que, ocupando meia pista, colocava em risco a vida de dezenas de motoristas?

E pensei no motorista chegando ao local da entrega: “Puuut... m...!” Com certeza, as únicas palavras que conseguiu proferir após tamanho susto. “Como assim?”, pensa coçando a cabeça. E a dona do sofá abre a porta entusiasmada: “Hum... Até que enfim!”

O coitado tenta dar uma explicação, mas dizer o quê? “Ô dona, não é por nada, não, mas seu sofá...” Droga! O que falar numa situação dessas? Que ele se extraviou no caminho? Onde? Será que ainda era um sofá, ou meio sofá, ou, pior, meia dúzia de sofazinhos espalhados por aí, ou, pior ainda, um sofá assassino, causador de acidentes e confusões no caminho?

– Puuuut... m...!!! – volta a repetir enfaticamente com seus botões. Entra no caminhão e deixa a mulher falando sozinha, reclamando o sofá que a loja prometeu entregar em sete dias, e já se passaram 12. Pega o caminho de volta, com o coração a mil, já esperando o pior.

À noite nem dormi direito pensando no sofá. Rezando para que não fosse causador de acidentes tão comuns naquele local. No dia seguinte, procuro por alguma manchete no jornal: “Sofá causa tragédia no Anel! Carros batem em sofá e...”, por aí vai. Felizmente, nem uma notinha de fim de página, constato aliviada.

Mas esta não foi a primeira nem será a última situação complicada com que me deparo nas estradas. Dirigindo há muitos anos, já passei por várias. E antes de qualquer dedução precipitada de vocês, adianto: amo dirigir, carro para mim é, além de utilidade, uma terapia. Sem nenhuma modéstia, sou muito boa motorista; atenta, segura, não costumo empacar o trânsito, tenho antipatia de gente lerda dirigindo na esquerda e sem dar passagem, gente que não dá seta e vira de repente, freia do nada etc., etc. Mas tem um porém: sou péssima em manobras. Fazer baliza em locais apertados é um horror! Assumo. Pronto, agora voltemos à história.

Outro dia, regressando de um sítio na antiga estrada de Sete Lagoas (MG alguma coisa), me deparo com um velho nu, carregado de pedras nas mãos, no meio da estrada. A cena por si só já seria um espanto, mas virou mesmo um filme de terror quando descobri que o alvo das pedras era eu. O homem, enquanto atirava no meu carro, ficava pulando na frente dando gargalhadas. Não sabia se me desviava dele ou das pedras. Felizmente as pedras eram grandes, e acredito que faltou força suficiente para que atingissem o vidro. Pelo retrovisor, avisto pela última vez o velho pelado com suas pedras. Ainda trêmula, pisco os faróis na tentativa de alertar a próxima vítima.

Certa vez, estacionada no pátio de uma grande loja, um trator surgido do nada trombou num poste de alta-tensão. Adivinhem onde o poste ia cair??? Nesse dia, só mesmo o meu anjo para me iluminar, fazer com que em questão de segundos eu ligasse o carro e me desviasse a tempo daqueles seis metros de cimento maciço. Consegui me safar do poste, mas, em compensação, me vi dentro de um bombardeio. A fiação inteira caiu no meu carro, e pelo vidro presenciava atônita o fogaréu e as repetidas explosões. Felizmente, tive a sensatez e o equilíbrio de não sair correndo aos berros. Se assim fizesse, no mínimo morreria esturricada.

Quietinha e tremendo, aguardei que desligassem a energia. Virei heroína – quem presenciou a cena disse que fui um “ás do volante”. Mal sabem que a rápida reação foi mais uma questão de susto do que de competência automobilística propriamente dita.

E a palmeira imperial da avenida Brasil? Cuja folha, com peso equivalente a cem quilos devido à altura, caiu afundando o teto do carro até minha
cabeça? Sem dúvida, um dos maiores sustos da minha vida, não apenas pelo barulho estarrecedor, mas pela certeza de se tratar de um suicida maluco que resolveu pular da janela e se espatifar em cima de mim, claro! Mas essa fica para depois, afinal, com tantos anos de estrada, histórias assim não me faltam.