
Chegando em casa, dez e meia da noite, encontro um bilhete: “Laurinha, Maria ligou desesperada. O filho dela morreu. Assim que chegar, ligue para ela”.
Não precisou muito para deduzir as circunstâncias da morte do seu filho; 28 anos, três crianças pequenas, recuperando-se do vício, trabalhando na construção civil, futuro pela frente. Sua mãe, mulher simples e lutadora, “Mãe com M maiúsculo” em todas as horas, das mais difíceis às mais recompensadoras. Sofrida, como grande parte das mães de hoje que, impotentes, veem seus filhos se enveredarem por caminhos tortuosos e, muitas vezes, sem retorno. Mas o filho de Maria retornava, consciente do que deveria fazer dali em diante, e foi justamente ali, no meio do percurso, que lhe ceifaram a vida com um tiro na cabeça. As barreiras da volta se contrapõem às facilidades da ida.
O sono me abandona nesta madrugada fria, e passo a noite pensando. Antes, o normal era os filhos enterrarem os pais, hoje, os pais é que enterram seus filhos. Filhos que sofrem acidentes; morrem de overdose; assassinados por R$ 50 de que não dispõem na hora do assalto ou do acerto de contas. Filhos que se embrenham pelos tenebrosos caminhos da droga.
Histórias que se repetem e vão se tornando frequentes.
Gosto de usar este espaço com amenidades, histórias divertidas que invento ou escuto por aí. Quero mudar de assunto, mas o sofrimento que vi em Maria não me sai da cabeça. Cenas que ficam registradas, como aquela em que, segurando as mãos do filho morto, ela me diz: “Laurinha, estas mãos no sábado estavam me abraçando. Como isso pôde acontecer? Me explica, como?” Não dá para conter o choro, e ainda agora, no momento em que escrevo, continuo embargada. Que me desculpem os leitores, mas quem é mãe sabe.
Na semana retrasada, recebi a mensagem de um amigo. Dias antes perdera seu sobrinho, único filho de seu irmão, 21 anos apenas. Jovem amoroso, trabalhador, arrimo da família, que teve a vida ceifada por um celular. Assassinado em Contagem, indo para o trabalho, com a marmita ainda quente dentro de sua mochila, como descreveu, emocionado, o policial que o encontrou.
“Laurinha, tá doendo demais. Até agora sem resposta, jamais pensei que ia viver isso na minha vida”.
E, do pai do jovem, transcrevo parte do comentário que recebi. “Bom dia, Laura, sou pai do Rickson, o rapaz de 21 anos assassinado por um celular... Nunca esperamos que uma tragédia dessas vá ocorrer conosco, mas fica em mim não um sentimento de vingança, ou qualquer coisa que me iguale ao assassino do meu único filho. Fica o orgulho de saber que na mochila dele havia uma marmita, que ele conseguiu lotar uma igreja de pessoas que, como ele, eram trabalhadores, tementes a Deus. A contrapartida não é olho por olho, dente por dente, a contrapartida é o amor...”
Penso na grandeza desse pai. E no jovem que tão prematuramente se foi, provavelmente com a mesma benevolência de quem o gerou.
E assim, às mãos de Deus, entregamos os nossos filhos.