Sabe aquela minha mala perdida na Itália, após ter embarcado em Belo Horizonte com parada em Lisboa e conexão pra Milão? E eu cheguei, e ela não? Pois é, muitos me perguntam que fim tomou a dita. Não vou repetir tudo o que passei – quem se interessar pela história, pode procurar as duas crônicas anteriores a esta no site deste jornal. Hoje quero contar a história de outra mala, a da minha nova amiga, Maria Lúcia, 76 anos, que conheci no aeroporto de Milão. Sozinha, sem falar italiano, numa cadeira de rodas, tentava explicar à atendente que sua mala não viera, assim como as três companheiras de viagem que perderam a conexão. Ao perceber que ambas não se entendiam, resolvi interceder. Após as explicações, seguimos juntas para o setor de reclamações de malas perdidas. Nisso, além de sem mala e sem amigas, Maria Lúcia, com fortes dores no joelho e tomando anti-inflamatórios, ficou também sem a cadeira, que pertencia à companhia aérea. “Meu Deus! Se a minha situação está ruim, a dela está horrível!”, pensei, penalizada. No setor de reclamações, deixamos nossos endereços residenciais e os locais de estadia na Itália.
Saí para almoçar, enquanto Maria Lúcia decidiu aguardar pelas amigas num próximo voo. Nesse meio-tempo, nos desencontramos. “Será que elas já chegaram e foram para o hotel?”, pensei, embora estivesse com o pressentimento de que não era bem isso que havia acontecido.
Por volta das oito e meia da noite, ela me ligou:
– Laura? Onde você está? Nem minhas amigas, nem minha mala chegaram!
– Nossa, Maria Lúcia! Que loucura! Te ligo daqui a pouco, que minha filha está tentando me ligar.
Cinco minutos depois retorno a chamada. E nada. “Este telefone está desligado ou fora da área de serviço”. Como assim? Vi no visor apenas um sinalzinho, ou seja, provavelmente a bateria dela havia acabado.
– Putz! E agora?
Desci correndo do hotel para os saguões do aeroporto à sua procura, e nada. Maria Lúcia havia desaparecido. Que nem as malas. Que nem as amigas. À meia-noite tentei dormir, pensando naquela pobre senhora, cheia de dores e sozinha, sem ao menos conseguir se comunicar. “Deu tudo errado!”, pensei, enquanto, exausta, desmaiava na cama do hotel com uma camisola improvisada, escrito “I Love Milano”.
Dias depois, voltamos a nos comunicar. Eu, a caminho do casamento de minha sobrinha na Toscana, e ela, num navio “chiquerésimo” indo para a Grécia, ambas sem as malas. O jeito foi rir. Combinamos de nos rever em Belo Horizonte para jogar conversa fora e falar dos perrengues que passamos. E assim foi. Num café, passamos uma tarde gostosa, com muitas histórias, risos, cappuccinos e ambrosias.
– Laura! Esperei minhas amigas até as dez da noite. Como já era tarde, resolvi ir para o hotel onde tínhamos reservas. Conheci uma brasileira, residente na Itália, que, assim como você, me acudiu quando precisei. Me deixou num taxi, explicando ao motorista aonde eu iria. No hotel, tentei novamente ligar para minhas amigas que, desde cedo, estavam incomunicáveis. Às quatro da manhã, acordei com as três chegando... exaustas e sem as suas malas! Acredita?
– Socorro! E aí? – Perguntei num misto de espanto e curiosidade.
– E aí que, em vez de passar o dia visitando museus com direito a ida ao Scala de Milão, com ingressos previamente adquiridos no Brasil, passamos o dia procurando roupas que nos servissem, além de maiôs, calcinhas, sutiãs, tênis...
– Já ouvi essa história antes... – pensei, divertida. E ela continua...
– Depois de comprar as roupas, retornamos ao hotel e aí que nos demos conta de que faltavam também as malas, afinal, como entrar num cruzeiro de navio com trocentas sacolas na mão? E saímos, mais uma vez, à procura de quatro malas. Já eram oito da noite.
E eu ali, escutando tudo, de olhos arregalados e imaginando a cena de quatro senhoras, de 76, 83, 73 e 56 anos, nessa situação.
– Calma, que a história piora – disse-me ela, sorrindo.
No navio, penalizada, a tripulação as presenteou com uma camiseta escrito “MSC Sinfonia”, nome da embarcação, que serviu de camisola durante sete dias seguidos, que nem eu com a minha “I Love Milano”.
– Laura – continuou ela –, o pior foram os medicamentos. Com as roupas a gente se vira, mas como conseguir remédios controlados no meio do Mediterrâneo? Tinha na bolsa para os dois primeiros dias... e o restante?
Sua sorte, segundo ela, era ter um sobrinho muito querido e muito bravo que, indignado, arrumou um barraco homérico na TAP.
– Vocês não estão entendendo a gravidade do problema! Minha tia está sem os seus remédios. Se virem! Retornando à Itália, quero as malas dela e das amigas no hotel.
Também ligou para o médico da tia, solicitando uma receita que depois enviou a uma amiga médica, residente no Uruguai, que tinha uma amiga italiana, médica em Roma. Afinal, a receita teria de ser traduzida. E assim, “de zap em zap”, a receita chegou a ela no navio, onde teve de agendar uma consulta de 200 dólares com o médico da embarcação para prescrevê-la. Aportando na Grécia, com a receita na mão, entrou na primeira farmácia que encontrou. Na sacolinha, várias caixas de medicamentos com o nome a e bula escrito em grego.
– Laura, você já leu alguma coisa escrito em grego? Pois é. O jeito foi rir.
Ao final de sete dias, desembarcando em Veneza, ela e as amigas finalmente tiveram a grata surpresa de encontrar suas malas no hotel.
No dia seguinte, viajariam com um carro previamente alugado. Tudo certo, até descobrirem que o porta-malas comportava apenas as quatro malas oriundas do Brasil. O problema é que as quatro, agora, eram oito.
E assim, pelas belas estradas italianas, quatro senhoras viajavam com suas malas entre as pernas, no colo, no chão e onde mais tivesse espaço.
E, por fim, conto como minha mala perdida chegou às minhas mãos. Com um GPS de malas, conseguia acompanhá-la. Até que no dia em que eu retornava ao Brasil, vi que ela se encontrava no penúltimo hotel em que estive, próximo a Firenze. Como minha filha e sua família ainda ficariam dois dias no país, não tive dúvidas:
– Filha! Pelo amoooor de Deus, vá para Firenze e pegue a minha mala.
– Ah, não, mãe! Estamos indo pra Pisa, pra isso, pra aquilo, já está tudo programado...
– Filha, se não for assim, nunca mais vou ver minha mala na vida! E, também, Pisa não tem nada demais, só aquela torre meio torta, trânsito bagunçado, essas coisas...
A contragosto, cancelaram tudo para ir buscá-la.
Mas, como perrengue pouco é bobagem, às três da manhã, no aeroporto de Milão, eu pronta para embarcar, a atendente da TAP me pediu o cartão de vacina contra Covid, pois sem ele eu não poderia viajar. Procurei na minha carteira até me lembrar que o havia deixado dentro de minha agenda. Como minha agenda estava ocupando muito espaço na bolsa, acabei guardando-a, antes de viajar... adivinhem onde? Sim, isso mesmo! Tentei explicar a história, mas deixei pra lá. Mostrei a foto do cartão no celular, tentei abrir pelo SUS, e nada. O povo esperando na fila, comecei a suar frio sem saber o que fazer.
Tinha exatamente meia hora para correr não sei bem aonde e fazer um teste rápido de Covid para me liberarem. Nunca corri tanto na vida naqueles saguões quilométricos do aeroporto que tão bem conhecia. A mulher do teste estava lá, sem saber se fazia o teste ou se me colocava num balão de oxigênio. Correndo de volta com o exame negativo na mão, me apresentei novamente ao guichê. E a atendente, finalizando o meu check-in, questiona:
– Sua bagagem, por favor!
Por muito pouco não dei um soco nela.