Laura Medioli

Laura Medioli

Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

Aparece lá em casa!

Laura Medioli relembra um churrasco com amigos em casa. Leia mais

Por Laura Medioli
Publicado em 05 de agosto de 2023 | 03:00
 
 

A informalidade do brasileiro, para quem não está acostumado, assusta. Lembro-me de um comentário feito por meu marido nos seus primeiros tempos de Brasil.

– Aqui tem coisas que eu não entendo. Se alguém me convida para “aparecer” na sua casa, mas não me passa o endereço, horário ou qualquer indicação, é um convite para ser levado a sério ou não?

Até que, ao conhecer minha antiga casa, um ano após aportar no país, entendeu que “aparecer” é aparecer mesmo, sem necessidade de agendamento. Minha casa era tão incrivelmente aberta às pessoas que ele, mesmo sem entender, acabou aderindo à ideia. E começou a aparecer por lá. Criou vínculos com meus pais, com meus irmãos, até que, dez anos depois da primeira ida, entre encontros e desencontros, acabou me levando com ele para outra casa, onde há 38 anos recebemos antigos e novos amigos.

Com pouco tempo de casados, já candidato a deputado federal, Vittorio me ligou às três da tarde para dizer que tinha convidado, após uma convenção partidária, alguns prefeitos e outros políticos para um churrasco em nossa casa.

Detalhe: em casa de vegetarianos não existe churrasqueira, ou seja, como ele me diz que dentro de cinco horas faríamos um churrasco? Detalhe dois: nunca tínhamos feito churrasco na vida. Três: os convidados eram mais ou menos 30. Quatro: a luz do ambiente do jardim, onde havia uma suposta e aposentadíssima churrasqueira do antigo morador, não funcionava.

Não propriamente a luz, mas a fiação. Cinco: da mangueira gigante que ficava no centro da área externa, caíam mangas de dez em dez minutos, que se espatifavam no chão com direito a abelhas e lambanças. E eu já fui logo pensando: e se cai uma manga na cabeça de um deles? Devido ao tamanho da fruta e à altura dos galhos, o perigo era iminente. Evitei pensar em fatalidades e possíveis manchetes como “prefeito morre com mangada na cabeça”, pois já tinha coisas demais com que me preocupar, tipo: onde iria colocar 30 pessoas para se sentarem? Antes de enlouquecer, fui enlouquecer o jardineiro e a cozinheira.

– Chiiiiico!!! Temos que limpar a área da mangueira urgente, não se esqueça de tirar as mangas com as abelhas... Cadê o telefone do eletricista? Alguém viu a caderneta? M...! Tenho que arrumar alguém que entenda de churrasco, quem sabe o Carretão me ajuda nisso?

– Não se preocupe, senhora! Levamos tudo... A carne, o arroz, o vasilhame... É para quantas pessoas mesmo?

Também liguei para minha mãe.

– Sim, mãe, está tudo certo, apenas me passe o telefone daquela loja de festas em que você costuma alugar as mesas.

– ...

– Perdeu o número? E o nome, você lembra?

Naquela época não existiam celulares, computadores pessoais e nem sonhávamos com os “googles” da vida. Corri para as páginas amarelas do catálogo. Alguém se lembra disso? Do tamanho dos antigos catálogos e de suas folhas amarelas? Pois é, lá fui eu procurar nas letras miúdas o raio da loja de aluguel de móveis.

O eletricista chegou, ou melhor, foi buscado quase à força para me ajudar a resolver o problema. E numa gambiarra homérica esticou um fio de um canto a outro até conseguir pôr iluminação no lugar. Aproveitei a ida do homem para ajudar na montagem da “churrasqueira” – um monte de tijolos, um em cima do outro, com algumas adaptações; sacos de carvão adquiridos às pressas pelo antigo motorista da minha mãe, que, preocupada, me disponibilizou também o jardineiro. Menos mal que eventos políticos costumam ser sem frescuras, sem superorganizações e meio de improviso. Estávamos dentro do padrão.

Às 20h em ponto, começaram a chegar os convidados. Alguns, com a esposa a tiracolo. Tinha até flores em cima das mesas, a cerveja gelada era servida por simpáticos garçons, enquanto churrasqueiros tarimbados se viam às voltas com uma churrasqueira improvisada pra lá de complicada. Resumindo: a festa, impecável, e eu, destruída – literalmente falando.

Chamei meu marido num canto:

– Da próxima vez eu te mato!

E ele:

– Eu sabia que você daria conta... – Acabamos rindo no final da história, afinal, desde menina estou acostumada a ver gente “aparecendo” em minha casa. Mas 30 de uma vez? Para um churrasco sem churrasqueira?

Como diz minha amiga: “pelamordedeus”...

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