Laura Medioli

Laura Medioli

Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

Um anjinho enfoguetado

Laura Medioli relembra história de Yogui, um cãozinho pra lá de especial. Leia mais

Por Laura Medioli
Publicado em 16 de setembro de 2023 | 03:00
 
 

Apareceu num final de rua, próximo a um aglomerado, cheio de carrapichos, magrinho e com o pelo embolado. Ao vê-lo, minha cunhada me ligou:

– Laurinha! Achei um cachorrinho lindo! O porteiro do prédio disse que há dias ele está perdido. Vou levá-lo para a casa da sua mãe.

Era final de semana, em tempos de pré-pandemia, quando filhos, netos e bisnetos se reuniam aos domingos na casa de meus pais.

Ao sair do carro, aquela coisinha emaranhada e suja olhou para minha filha com seu único olho que funcionava, pois era cego do outro. E foi amor à primeira vista. Recém-casada na época, minha filha nem pensou duas vezes: a família iria crescer a partir daquele dia. Batizou o bichinho, sem raça definida, de Yogui. Em sua casa, deu-lhe o primeiro banho de chuveiro, com direito a xampu e condicionador de gente, afinal, desembolar aquela bola marrom e carrapichada não seria fácil.

Sempre que viajava, minha filha o deixava na minha casa, junto às outras três cachorras, que, a bem da verdade, não se entusiasmavam nada com a ideia. Já eu e meu marido adorávamos. Adolescente, Yogui não parava um minuto, enchia a sacola da Mali, puxando suas orelhas e rabo, enlouquecia a Estopa e, pasmem, por um bocado a mais de ração, mordeu e tirou sangue da Vlora, nossa enorme pit-lata, três vezes maior que ele.

Duas vezes por semana, ia para a “escolinha” próximo à sua casa, uma espécie de creche canina, para quem mora em apartamento e precisa gastar energia. Em pouco tempo, Yogui já tinha recebido três advertências. Comandando e agitando o espaço, virara o chefe da “quadrilha”.

Num desses feriados, viajamos para uma fazenda, longe da muvuca e da Covid. Três dias para ler, caminhar, dormir, nadar e descansar, afinal, aquele ano não tinha sido fácil.

Vlora, nossa pit-lata, e Yogui foram juntos. Vlora, sempre quietinha ao meu lado, enquanto Yogui, estabanado, dava voltas no jardim da casa, subia e descia escadas, destruía chinelos, pulava no sofá e em tudo que via pela frente. Nunca desfrutara tanto espaço em sua vida.

De repente, um cheiro medonho no ar...

– Yogui rolou na carniça – gritou alguém. – Deus do céu! Que bicho foi esse que ele encontrou? – Não pensamos duas vezes: o banho se fazia urgente. Voltou com os pelos recém-secados, enquanto procurávamos do lado de fora o causador daquilo.

À noite, enquanto jogávamos buraco, escutamos um barulho. Yogui caiu na piscina, ou melhor, se atirou na água atrás de um sapo que, desde o final da tarde, estava à espreita. Encharcado, minha filha o levou para se secar. Voltamos ao jogo.

De repente... TIBUM! DE NOVO??? Desta vez, saindo com um sapo na boca. E foi aquele deus nos acuda!

Eles o secaram novamente, e com um pito homérico meu genro gritou:

– Yoguiiiii!!! Não pule mais na água, entendeu??? – A piscina tinha uma parte rasa, de onde ele podia entrar e sair, justamente onde encontrou o sapo.

Finalmente, o silêncio voltou a reinar, e pudemos dar continuidade à partida, que não findava nunca.

Até que Yogui adentrou a sala, mordendo alguma coisa dura em cima do tapete. Uma pedra?, pensei. O bicho tem mania de pôr na boca tudo o que vê pela frente. Minha filha, ao se aproximar, dá um grito:

– Yoguiiii! Larga isso!!! – “Isso” era um caramujo gigante, que, espatifado no tapete, quase me fez vomitar.

– Credo! O que é isso??? – perguntei ao ver aquilo.

– Um escargot mineiro – respondeu meu genro, rindo, enquanto tirava a “coisa” do tapete.

E era só o primeiro dia, pensei.

Eu e meu marido gostamos de chamá-lo de “Foguetinho”, tal a sua energia e disposição. O cachorro não sossega um minuto, é a própria alegria ambulante, impossível vê-lo sem sorrir.

No dia seguinte, ele foi conhecer o pasto. Correu dois quilômetros na ida e dois na volta, para o desespero da minha filha. Com sede, resolveu tomar água do açude, de onde voltou com barro no focinho e as patas sujas de cocô de cavalo.

De volta à casa, cadê o Yogui?

Nós o encontramos cavando um buraco gigante no jardim, atrás de algum bicho que não conseguimos descobrir.

A noite chegou. No colo da minha filha, Yogui foi apagar seu fogo para, finalmente, adormecer sob as estrelas, ao som de grilos, sapos e corujas. Um anjinho travesso em forma de cachorro.

 

Três anos se passaram desde que foi adotado. Hoje, mais sossegado, Yogui brinca e protege a minha neta, que o ama mais que tudo.

Sua deficiência visual nunca o impediu de ter uma vida normal, assim como os vários cães deficientes que mantemos na Superintendência de Proteção Animal de Betim (Sepa). Lindos e carinhosos, aguardam por um lar. A quem tiver interesse em conhecê-los, enviamos suas fotos e o compromisso de castração. Mais informações com a protetora Silmary no telefone (31) 97518-2841.

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