COLUNA VITTORIO MEDIOLI

90 anos atrás

O fogo no edifício Reichstag mudou o curso da história

Por Vittorio Medioli

Publicado em 15 de janeiro de 2023 | 03:00

 
 
Vittorio Medioli
Colunista de Opinião
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Às 21h14 de 27 de fevereiro de 1933, o quartel de bombeiros  de Berlim recebeu um alarme: o edifício do Reichstag, a sede do Parlamento alemão, estava em chamas. O fogo parecia ter se originado ao mesmo tempo em vários lugares, e, quando a polícia e os bombeiros chegaram, uma grande explosão destruiu o salão do Parlamento. À procura por pistas, a polícia encontrou Marinus van der Lubbe, seminu, amoitado nas cercanias do prédio.

Adolf Hitler e Hermann Goering chegaram logo depois e, quando lhes foi mostrado Van der Lubbe, um notório agitador esquerdista, Goering imediatamente declarou que o fogo representava um ato de conspiração comunista. Disso mandou prender indiscriminadamente comunistas apenas pelo fato de serem comunistas. Hitler aproveitou a situação para declarar estado de emergência e encorajar o presidente da República, Paul von Hindenburg, a assinar o decreto, decorrente do Incêndio do Reichstag, que suprimiu a maioria dos direitos civis previstos pela Constituição de 1919 da República de Weimar.

De acordo com a polícia, Van der Lubbe afirmou que teria ateado o fogo para protestar contra os nacional-socialistas (nazistas). Sob tortura, o comunista holandês, residente na Alemanha, mentalmente perturbado, confessou o crime. Entretanto, a enormidade e a letalidade do atentado que incinerou o Parlamento atesta uma ação conjunta de grande vulto com participação coordenada de diferentes e experimentados profissionais. 

Hitler e seus ministros enquadraram sumariamente cerca de 4.000 membros comunistas que faziam oposição na categoria de terroristas, inimigos da democracia, supostamente encarnada pelo führer.

Van der Lubbe, descrito como meio louco e psicopata, estava de alguma forma envolvido no incêndio do Reichstag provocado por um número indefinido de pessoas capacitadas a gerar um estrago gigantesco.

De imediato, a extensão do dano tornou muito improvável que ele tivesse agido sozinho (se estivesse envolvido). Considerando a velocidade dos prejuízos em vários pontos do imenso prédio, era quase certo que uma única pessoa não poderia executar o plano de tão vastas proporções e tão repentinamente letal.

A reputação de Van der Lubbe era de um tolo megalomaníaco disparatado, e ele acabou sendo condenado à morte e executado. As versões e os comentários insuflados pela máquina de informações nazistas, entre outros fatos, levaram a grande maioria dos estudiosos a acreditar que a hierarquia nazista, oriunda do Clube de Thule, tinha engendrado o atentado, a fim de obter o ganho político que mudaria o destino da Alemanha, como Hitler realmente obteve.

Com os principais e mais aguerridos líderes na prisão, amordaçados, aterrorizados, os adversários de Hitler foram varridos, deixando o caminho livre ao nazismo, para completar 12 anos de horrores até a capitulação em 1945, fim da Segunda Guerra Mundial. Devastou-se o continente europeu e parte da África e da Ásia.

Hitler, com 44% dos votos amealhados, forçou os partidos menores a dar-lhe uma maioria de dois terços para impor o “Decreto de Plenos Poderes”, que lhe concedeu a prerrogativa de governar por decreto e suspender as liberdades civis e democráticas. O Parlamento passou a ser meramente decorativo e sem atribuições. Hitler se tornou o principal ditador, tirano e carniceiro do século XX, com um rastro de 40 milhões de mortos entre civis e 20 milhões entre militares.

Os principais historiadores modernos, depois de sete décadas – que serviram para baixar as poeiras de tantos horrores –, reconhecem que Adolf Hitler pegou de surpresa a população alemã e, mesmo sem conquistar a maioria nas eleições, demoliu, com astúcia e requinte de crueldade, a constituição alemã de Weimar, aprovada em 1919, após a Primeira Guerra Mundial – considerada a mais democraticamente avançada daquela época. Aniquilou a possibilidade de contestação e transformou a Alemanha no maior caso de terror e despropósito dos últimos séculos.

A Alemanha, depois dessas experiências, blindou seu ordenamento constitucional para não recair às tão nefastas consequências do extermínio de 12% de seus 69 milhões de habitantes.