Quando menino, adorava o Natal muito mais do que agora. Em especial pela pausa nas aulas. Ganhava duas tão aguardadas semanas de férias, para brincadeiras, passeios, cinema. Podia deitar-me e levantar-me mais tarde, sem aquele “dever” de pontualidade. Tomar um café mais tranquilo, às vezes na cafeteria, com brioches e pães quentinhos.
Na Itália, era época de neve, de andar pela cidade entre o cheiro das castanhas “abbrustolite”, de café torrado, de padaria despejando pães, biscoitos, panetones, e ainda de “focaccia” e pizza saindo dos fornos.
No centro da cidade, as vitrines enfeitadas de novidades, com arte e bom gosto. Era um desfile de beldades e de elegância, jovens moças despejando perfumes finos de fragrâncias de rosa, jasmim, lavanda, orquídea, “mughetto”. Aromas cítrico, amadeirado, patchouli, sândalo, gengibre. Apenas pelos perfumes já valia o passeio.
Aquele frenesi de véspera de Natal, de compras de presentes e comidas especiais. Eu pensava comigo, “por que o Natal só vem uma vez por ano, e não cem vezes?”...
Também se aproveitava muito mais, com disposição real e intensa para tudo que acontecia. Passavam na televisão os melhores filmes, espetáculos e aquelas resenhas de tudo que aconteceu durante os últimos 12 meses.
O mundo era diferente, ou ao menos era mostrado com mais requintes, ou menos crueldade. Os meninos chegavam aos 8 anos acreditando em Papai Noel.
Ao nascer uma criança, já se sabia o que podia esperar da vida. O emprego não era problema, e tinha tempo para se preparar. Passávamos por momentos de crescimento econômico fantástico, de reconstrução, material e social, de um continente arrasado por duas guerras mundiais de extrema crueldade.
A vontade de viver era retribuída com infinitas oportunidades. Os jovens tinham tranquilidade, comportamento “sem pressa”, pareciam compreender que precisa-se de algumas estações para amadurecer e chegar ao vértice.
Lembro-me que os namoros eram platônicos, as relações, mais humanas, a vida corria naturalmente. Os acontecimentos se davam como a construção de uma casa, tijolo por tijolo. Poucos eram aqueles que se precipitavam pelos atalhos.
Os aparelhos de telefone eram pretos e pesavam dois quilos, as ligações eram feitas da rua enxertando moedas ou fichas nos orelhões; os automóveis nas ruas eram poucos, as cidades, muito menores e bem tratadas.
A incerteza que assola os dias atuais, em relação àqueles tempos, deriva de uma perda de referências confiáveis na caminhada, especialmente, para programar o futuro. A aceleração e disruptividade em volta dos seres humanos fazem com que profissões se extingam e desapareçam. Robôs trabalham no escuro durante 24 horas, nem param para comer. Mais ainda produtivos agora, com a IA, a inteligência artificial, que anulará em breve um número incalculável, mas imenso, de empregos.
Um CEO de uma megaempresa chinesa que conheci recentemente discursou: “Nós tínhamos 30 engenheiros para cada 3.000 trabalhadores de fábrica, um para cada cem graduados. Nossa meta a curto prazo é inverter essa relação”.
Obviamente, a riqueza produzida deverá ser distribuída de forma a manter vivas oportunidades, salários e esperanças.
Como nunca, a humanidade, num momento de escuridão e ignorância maliciosa, precisa de pessoas sábias nos lugares certos, preparadas, desapegadas e que ofereçam o melhor de si para o bem de todos. “De pessoas que nasceram – com disse Paul Brunton – destinadas a deixar seu recanto do mundo um pouco melhor do que encontraram”.
Feliz Natal.