A flor jamais vê a raiz, oculta no solo, onde cresce, por mais que sua vida e beleza saiam dela e sem ela não possam existir.
O corpo humano se vivifica de forças sutis que o permeiam. Não são visíveis, e a maioria dos seres humanos desconhece a existência delas, a ciência também não sabe como tratá-las e acaba ignorando-as, restringindo-se àquilo que se pode mensurar e tocar, ou, como são Tomé, apenas se puder entrar com o dedo na ferida.
Mas, quando essas forças deixam o corpo, ele perde a razão de ser e se desfaz. “Memento homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris”, lembravam, em latim, os padres durante a missa da primeira quarta-feira da Quaresma ao espalhar cinzas na cabeça do fiel.
Os galhos queimados eram os mesmos que tinham sido benzidos e distribuídos aos fiéis nas cerimônias do Domingo de Ramos do ano anterior, para reviver a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. A simbologia dessas cerimônias é sublime. Mostra a mutabilidade da sorte humana “dall’altare alla polvere” (em italiano) e como as pessoas devem se preparar, com humildade, para se desfazer dos louros dos triunfos.
Mas a força que muda uma insignificante sementinha numa planta, a mesma que concede vida própria ao ser humano e o mantém cheio de vigor, como explica o Vedanta, é o “prana”, alento de vida. Como a esponja se mantém e prolifera imersa na água e fora dela seca e em algum tempo se desfaz, da mesma forma a vida animal e vegetal na Terra é mantida pela absorção do prana, uma verdadeira corrente de energias. Quando as faculdades de reter prana cessam, é o fim do ser individualizado. Aquela porção indispensável retorna ao conjunto de onde veio.
Vedanta é uma tradição espiritual milenar que, explicada nos Upanishads, se preocupa principalmente com o conhecimento, por meio do qual se compreende a natureza da realidade (“Sat”), da consciência (“Cit”) e da beatitude (“Ānanda”).
Não é uma religião, apesar de muitas religiões terem se apossado de seus enunciados. Sabe-se que se originou do antigo povo Arya, os arianos, e foi levada aonde hoje situa-se a Índia, na época habitada pelos povos drávidas, no vale do rio Indo (Sindhus), naquela época fervorosos adeptos da filosofia Samkhya.
O Vedanta – que significa “a meta de todo o conhecimento” – por definição não se restringe, nem está confinado, a um único livro. Aprofunda-se e baseia-se nas leis espirituais imutáveis que são comuns às tradições religiosas ao redor do mundo. Anterior a toda a literatura judaico-cristã, o Vedanta lhe deu base e princípios.
A “meta do conhecimento” leva a um estado de autorrealização e de iluminação e à compreensão da consciência cósmica, até a superação dos limites humanos. Como a formiga não tem a menor ideia do que é um elefante ou uma baleia, imensamente fora de suas ínfimas dimensões, o ser humano vive encurralado na “caverna” platônica e estranho ao imenso potencial que pode aproveitar se quebrar os grilhões. São os mesmos narrados na mitologia, como as correntes de Prometeu, a personagem que tinha o fígado consumido pela águia.
Historicamente, o Vedanta tem sido entendido como um estado de transcendência, e não como um conceito que pode ser compreendido apenas pelo intelecto racional. Também não é uma filosofia, tampouco uma religião, e sim uma doutrina puramente metafísica, que traça o caminho de uma elevação, na qual um corpo material se reduz a um meio, a uma indumentária do espírito eterno.
Se tantos conceitos parecem estranhos, deslocados e efêmeros, eles aguardam na eternidade, silenciosos e sem pressa, o merecimento que os faz compreensíveis.
Qualquer esforço é sempre premiado.