Pessoas caminham em frente à entrada dos escritórios da BBC em Londres, em 11 de novembro de 2025. (Photo by HENRY NICHOLLS / AFP)
Foto: AFP or licensors
Pessoas caminham em frente à entrada dos escritórios da BBC em Londres, em 11 de novembro de 2025. (Photo by HENRY NICHOLLS / AFP)
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No dia 9 de novembro, o diretor-geral e a chefe de jornalismo da BBC de Londres renunciaram aos cargos sob acusações de parcialidade e graves distorções no editorial da emissora britânica. A gota d’água foi a edição manipulada de um discurso de Donald Trump. Quem abriu a porta para a ventania levar a cúpula da mais conceituada rede da Europa foi o jornal “Daily Telegraph” ao revelar o memorando de uma consultoria contratada pela BBC para assessorar a emissora em padrões e diretrizes editoriais.
O relatório aponta sérias imparcialidades em reportagens de assuntos sensíveis, sem compromisso com o dever de respeitar os fatos à luz da verdade, como ocorreu na cobertura do conflito entre Israel e Hamas, mais ainda sobre questões de transgêneros, de imigração, além da campanha eleitoral de Trump. O presidente dos Estados Unidos, por meio de seus advogados, apresentou pedido de retratação e retirada das matérias que distorcem sua imagem e suas afirmações, sob ameaça de indenização de US$ 1 bilhão, ou seja, R$ 5,4 bilhões.
O memorando realizado por Michael Prescott, uma sumidade no jornalismo, a pedido do Conselho de Diretrizes e Padrões Editoriais da BBC, acabou aparecendo no “Daily Telegraph” com fraudes jornalísticas. Nisso, uma reportagem exibida uma semana antes da eleição nos Estados Unidos, intitulada “Trump: Uma Segunda Chance?”, “num contexto claramente anti-Trump”, apresentou um número de críticos do presidente que superava, e muito, a quantidade de apoiadores, contrariando as pesquisas que davam Trump como preferido dos eleitores americanos.
O pior de tudo é que a reportagem da BBC criou uma versão do discurso de Trump que gera a impressão de incitar a invasão do Capitólio dos EUA em janeiro de 2021 com a frase recortada e colada dizendo “vamos caminhar até o Capitólio” e “lutar com todas as forças”. A segunda parte da afirmação não tem nada a ver com a primeira, retirada de outro momento do discurso, quando ele afirma: “Vamos caminhar até o Capitólio e vamos aplaudir nossos bravos senadores e congressistas”.
Essa atitude execrável e leviana nivelou a BBC a um panfleto partidário de segunda categoria, impensável e injustificável para uma emissora estatal, vitrine mundial do jornalismo britânico. Donald Trump, apesar de não ser santo, definiu: “Estas são pessoas muito desonestas, que tentaram interferir em uma eleição presidencial”.
O relatório de Prescott destacou, ainda, a tendência pró-Hamas nas reportagens da guerra da Faixa de Gaza com matérias montadas contra Israel. Aponta que o site de notícias em inglês da BBC diverge fortemente do site da emissora em língua árabe. Na versão inglesa, 19 artigos diferentes sobre os reféns que o Hamas fez no dia do ataque de 7 de outubro de 2023 foram integralmente omitidos no canal BBC Arabic, ao mesmo tempo em que os artigos críticos a Israel publicados no site da BBC News foram veiculados na BBC Arabic, dando a impressão de que não havia quem apoiasse Israel em sua reação. Prescott segue culpando a BBC por divulgar dados incorretos sobre a proporção de mulheres e crianças palestinas mortas por ações militares israelenses e por ampliar sem nexo a probabilidade de crianças enfrentarem a fome com o bloqueio imposto por Israel.
No relatório se destacam também as “questões sobre pessoas transgênero que eram ignoradas, mesmo quando já amplamente divulgadas por outros veículos”. Além de reportagens “carecendo de equilíbrio e objetividade suficientes” sobre o tema transgênero, a BBC ignorou o ruidoso processo movido por enfermeiras contra o empregador delas “por ter deixado pessoas do sexo biológico masculino usar o vestiário feminino”.
O memorando segue e aponta quatro programas da BBC de conteúdo histórico que privilegiaram declarações impactantes de desconhecidos, comentando racismo e preconceito, produzindo narrativas simplistas e distorcidas. Michael Prescott destaca: “A BBC caiu na armadilha de divulgar material mal pesquisado, vitimizando minorias étnicas por cobrança de seguros onde não existia essa possibilidade”. Referiu-se à reportagem sobre comunidade de pessoas que viviam em áreas com alta proporção de residentes de minorias étnicas, onde supostamente eram cobrados valores mais elevados de seguro de veículos – mesmo com as taxas de acidentes de trânsito e criminalidade semelhantes.
Para chegar a isso, a reportagem teria usado informações seletivamente descontextualizadas, provocando veementes protestos e, posteriormente, a retirada do ar, sob vexame. Se os apontamentos de Michael Prescott geraram um terremoto, imaginemos aqui, no Brasil, contratá-lo para avaliar as maiores redes de notícias do país. Quem ficaria ileso?
O jornalismo tradicional no Brasil, que nem sempre foi um exemplo de ética, segue uma trajetória de persistente decadência e deformações impensáveis. Perdeu a relevância de antigamente, sofreu uma queda abrupta de receitas, atualmente pulverizadas em dezenas de outros meios. Para sobreviver, não bastasse estar intubado na UTI, enfrenta as “redes sociais”, numa época disruptiva, digital, “em tempo real”, e ficou dependendo de financiadores interessados em defender “versões parciais”, mas que na realidade isenta dos fatos. Triste a queda dos mitos. Até tu, BBC?