A person mixing chess figures
Foto: Freepik
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As ideologias socioeconômicas, assim como certas religiões, tendem a retirar a liberdade do ser humano e transformá-lo em pessoa dependente e sectária, a ponto de torná-lo um perigo para a sociedade. Por motivos “religiosos”, nos últimos dias, dois “fanáticos islâmicos” na Austrália exterminaram 15 judeus, reunidos pacificamente numa comemoração. O sectarismo entende como inimigo quem pensa diferente.
Podemos considerar menos prejudicial à sociedade um “sectário” do que um mero delinquente? De todo modo, os componentes de fanatismo, preconceito, submissão, superstição e outras patologias se erguem contra a natureza de um ambiente equilibrado e pacífico. Impedem avanços sociais, pois a lógica deles é absolutamente parcial e dogmática. Não priorizam avanços, mas a destruição de um inimigo.
O extremismo ideológico revela que os opostos são complementares, e, se um sumir, deixa o outro sem motivo de ser. Tendem a justificar-se como justiceiros, mas não por meio de propostas realizáveis pela adesão pacífica e pelo bem difuso.
Também, quando ocupam o poder, não conseguem construir. As forças congenitamente destrutivas acabam aniquilando-se e aniquilando o que passa por suas mãos. Verdadeiras desgraças para uma nação, para as instituições sociais, para as estatais e até para os míseros aposentados.
Muitas seitas foram criadas para arregimentar peças humanas por motivos sociais, religiosos e políticos. Até facções criminosas se organizam pelo terror e pela violência e se justificam pelos princípios de Robin Hood. Sempre que podem, avançam pela ocupação política da máquina do Estado.
Sua arma principal é o terror explícito, praticado sem limites. É a arma mais rápida em crescimento, mas a mais destrutiva para o conjunto da humanidade. Eles nascem com o propósito de “tirar dos ricos e distribuir aos pobres”, mas tiram com voracidade de todos os lados, sem dor nem misericórdia. Acabam, “materialmente”, por se encontrarem na mesma raia de objetivos e se tornarem aliados por afinidade negativa, promovendo o desmonte social. Nisso, o troco é abrir a ocupação do poder, o enriquecimento e o luxo de seus líderes e oligarcas, mais frequentemente não escancarados.
Num documentário disponível no YouTube, mostra-se o CEO da ‘Ndrangheta, máfia calabresa, a mais rica do planeta depois do desmonte da máfia siciliana. Ele foi encontrado num predinho de subúrbio, usado para disfarçar sua real importância. Isso, porém, é exceção, pois os demais chefes oligarcas mundo afora vivem em mansões nababescas, alguns em ilhas transformadas em “paraísos” de ostentação. O estoicismo e a retidão de Marco Aurélio e de Abraham Lincoln não inspiram essa geração de celebridades.
Benito Mussolini, na segunda década do século passado, era presidente de um sindicato de trabalhadores jornalistas e, ainda, do Partido Socialista Italiano, antes de transformá-lo em partido fascista e dar um golpe. O fascismo e o nazismo nasceram da mesma costela do socialismo, como também a moderada social-democracia.
No arco político-ideológico, Mussolini deu um passo natural, mesmo parecendo ter ido de um extremo ao outro, da esquerda para a direita. A migração se deu por trás do cenário, no ponto oculto de contato onde métodos e finalidades extremas se encontram por similaridade e complementaridade.
Na correnteza da história, não se entra duas vezes na mesma água: a cada segundo ela muda. Mas as forças intrinsecamente destrutivas acabam aniquilando, inconsequentemente, o que passa por suas mãos – organizações, Estados, fundos, estatais e até aposentadorias de trabalhadores segurados, que são seu eleitorado. Basta fazer um retrospecto histórico para conferir o efeito cruelmente predador.
O poder, o enriquecimento, o luxo, mesmo escondidos das massas ou apresentados como algo “devido” ao líder e aos seus oligarcas, são muito comuns. Fazem parte do enredo, como o dragão ameaçador, fundamental no cenário. Se a fome é necessária para o produtor de alimentos, a doença para o farmacêutico, a intriga para o advogado, e o cavalo para o ferreiro, o dragão é imprescindível para quem aspira ao papel salvador de São Jorge. A demonização do oposto, jogar a culpa da cor do céu no inimigo, é mais importante do que uma aglutinação pacífica da sociedade. A guerra ideológica e o confronto de classes são o motivo de se justificarem como mediadores. Nisso, o dragão esbofando é fundamental.
Voltamos aqui às teorias e aos mecanismos de poder, que tiveram sucesso por algum tempo, mas se mostraram insuficientes a longo prazo, quando o “dragão a ser combatido” se tornou um gatinho de estimação. Quando a cortina caiu e revelou os guetos do atraso, o dragão se desfez.
Uma sociedade majoritariamente sofrida, inculta, no limite da pobreza, da fome e do desespero, é levada a respostas que nem sempre fazem seu interesse, mas mantêm o interesse de quem as debulha. Assim agem também as organizações narcocriminosas, a favor da desintegração da sociedade, da família, da ordem e da legalidade. É óbvio que se realiza uma aliança velada na comunhão de princípios, métodos e finalidades compartilhadas.
Por que isso acontece? Porque a sociedade, como conjunto, merece: pensa para si, esquece o conjunto, fica refratária à miséria, esquece suas origens. Conseguirá sair do cerco e erguer-se positivamente apenas sobre os escombros de derrotas cruéis?
Um frango depenado, entretanto, voltará a seu algoz sem hesitar se este jogar ao chão um punhado de milho quebrado.
Assim o tirano e as organizações se estabelecem, depenando ao extremo suas vítimas.
Veja-se a situação da Venezuela, onde as notas de dinheiro chegaram a valer mais como papel reciclável do que aquilo que permitem comprar.
Esse é o fim previsível da escalada da omissão.