Quadro de giz preto
Foto: Freepik/Reprodução
Quadro de giz preto
Foto: Freepik/Reprodução
Na escola você pode ver um quadro-negro, ou, mais recentemente, uma lâmina branca pendurada na parede. A professora escrevia com giz branco, agora com pincel negro. Preto e branco são opostos, geram um contraste inigualável.
Para as mentes aristotélicas, eles são simplesmente opostos: preto é preto, branco é branco, são polaridades.
Mas por que essa professora está escrevendo com o branco sobre o preto? Ela não poderia escrever com o branco sobre o branco ou com o preto sobre o preto? Ela tornaria inútil o seu esforço. O preto precisa de um fundo branco, e o branco, de um fundo preto. Deve ter um contraste, existir uma tensão, uma oposição entre os polos.
Eles são opostos, mas existe uma harmonia oculta entre eles, pois um deixa perceptível o outro, são imprescindíveis entre si. Se escrevesse branco sobre o branco, não haveria nada para notar, muito menos para comunicar, porque não haveria uma oposição contrastante.
Jesus teria desaparecido se os judeus não o tivessem crucificado. Eles fizeram uma 'gestalt', termo que designa uma estrutura harmônica e poderosamente perceptível. A cruz era o fundo, e Jesus ficou mais branco, esplendorosamente luminoso. De outras formas, Jesus teria desaparecido quase completamente. Foi devido à cruz que ele permaneceu, e devido à cruz ele penetrou no coração das pessoas mais que Buda e outros grandes líderes religiosos. Quase metade do mundo caiu de amores por ele, e isso não teria sido possível sem a cruz servindo de fundo. Buda é uma linha branca sobre um quadro branco, o contraste é muito tênue, a gestalt não está presente, o fundo quase se iguala à figura.
Buda é representado com um sorriso de esfinge, Jesus, sucumbindo na dor e com uma coroa de espinhos. Cativou a humanidade, e seu nome e figura são usados e abusados mundo afora.
Se uma pessoa não puder odiar, não poderá amar. Jesus é descrito dando chicotadas no templo, apesar de divulgar o amor incondicional e dizer: “Se te golpearem de um lado, mostra o outro...”. Ele também precisava demonstrar a opção pelo amor, apesar de possuir outras escolhas. Escolher entre dois opostos, de outra forma, seria o giz branco escrevendo sobre o fundo branco.
O amor não será uma chama, não será uma paixão, não terá intensidade sem o ódio.
Diz Rajneesh: “A compaixão tem intensidade se a mesma pessoa for também capaz de ter raiva. Se for incapaz de ter raiva, será simplesmente impotente”.
Ora, vivemos mais do que nunca uma divisão política. A esquerda parece existir para se contrapor à direita, e, quanto mais negro o quadro, mais fortemente perceptível será o giz. Para a direita, o contrário. Faltando menos de um ano para as eleições, o confronto se dará nesse cenário de tensão e contraste extremados.
A prisão de Bolsonaro contrapõe-se à prisão de Lula. Ela foi cavada de um golpe sem vítimas, sem tanques nas ruas. Um processo sobre as intenções depois de elas não terem dado em nada. De qualquer forma, escreveu-se com giz num quadro-negro, enquanto outras situações permanecem esculpidas na pedra.
O giz não dura para sempre.