Para entender melhor o conflito pessoal entre Trump e Lula – já que as relações comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil não andam muito bem, mas podem melhorar substancialmente –, serão necessárias considerações mais amplas do que meros bate-bocas nas redes sociais voltados ao sensacionalismo.
Sobra politicagem, falta lucidez.
Brasil aos brasileiros, sim, mas nem sempre é possível impor atitudes desnecessárias a um povo que pagará a conta. Que fique claro: a população que hoje aplaude, quando chegar a conta das dificuldades, responsabilizará quem não quer encontrar uma solução. Entre ideologia e comida na mesa, essa última tem relevância imbatível. Uma crise econômica é sempre culpa do governo, e, se este pretende se eleger, terá que fazer concessões.
As guerras das Malvinas tiraram o foco da decomposição política de um governo, arremessaram a nação a uma guerra perdida, e seus promotores acabaram pessimamente.
Hoje, na troca de chumbo em curso, ganha mais apoios Lula, que estava em queda. Para os “imparciais” que não aparecem no fogo cruzado entre as duas trincheiras, tudo – e mais alguma coisa – deveria ser feito para aproximar. Mais do que tornozeleiras decorrentes de um processo conduzido extraordinariamente por uma das “vítimas”, deveria haver uma transferência de titularidade e uma guinada no processo. Não digo uma absolvição, mas uma apuração que inspire confiança, dentro e fora do país, na imparcialidade indispensável a um julgamento.
Idealismo tem que ficar fora de uma mesa de negociação econômica. Por isso existe diplomacia, como fez o Japão nos últimos dias, saindo fortalecido.
O Brasil, frente a isso, parece à procura de uma guerra das Malvinas que já começa perdida.
Pensando friamente, as duas economias nacionais em jogo perderão, mas o Brasil perderá muito mais, em empregos e receitas.
As consequências podem ser tão duras que uma possível perda de liberdade do nosso Judiciário parece ínfima. O governante e o Congresso Nacional devem agir focados no que é imprescindível para a nação, assim como faz qualquer país fiel à sua obrigação democrática.
O problema central é a hegemonia econômica mundial que os EUA vêm perdendo, o que levará a outras perdas, provavelmente culturais e de soberania de muitas nações.
Um país vai à guerra e assume riscos imensos apenas para defender ou expandir seus interesses econômicos ou alimentares.
O Ocidente, liderado pelos EUA, e o Oriente, pela China, são duas culturas distantes e com costumes dificilmente conciliáveis. As tensões na China por mudanças e integração mundial crescem a cada dia.
A Europa, que sempre confiou no imenso potencial bélico americano para garantir sua defesa, entendeu a necessidade de ampliar seu arsenal. Quer dissuadir atitudes invasoras, pois sente crescer o risco do desemprego e da subserviência cultural.
Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Polônia e outros países europeus decidiram investir US$ 1 trilhão para potencializar seus exércitos de imediato.
Por que tudo isso?
Basta analisar a evolução econômica, dos dois lados.
A China, no ano de 2000, registrou um PIB de US$ 1,2 trilhão, contra US$ 10,3 trilhões dos Estados Unidos. O confronto fechava em 8 a 1 para os EUA. Transcorridos 20 anos, depois da pandemia, a China estava com US$ 15 trilhões, e os EUA com US$ 21 trilhões. O folgado 8 a 1 passou para um apertadíssimo 8 a 7. A hegemonia norte-americana ou ocidental ficou a um passo do fim.
Em 2024 o quadro se alterou parcialmente, com os EUA alcançando US$ 29,2 trilhões, e a China patinando em US$ 18,7 trilhões. O placar mudou para 8 a 5, aparentemente menos assustador, mas a disputa se acirrou, e os EUA, emparedados, esboçaram reação. Trump se elegeu para reagir à derrocada.
A China marca hoje vantagens abismais. Consolidou supremacia avassaladora em muitos setores produtivos fundamentais e ocupou mercados mundiais. Já condenou ao fim milhões de empregos no Ocidente com o fechamento de empresas. Sua colonização dos mercados é um fenômeno jamais visto.
Na China, produzem-se por ano 1 bilhão de toneladas de aço (53,4% da produção mundial), contra apenas 79 milhões nos EUA (4%) – um placar de 13 a 1 favorável à China, algo impensável há 30 anos. O setor automotivo, antes amplamente dominado pelos EUA, passou ao domínio chinês por 3 a 1 e hoje inunda o mundo com produtos de qualidade, altamente subsidiados, assim como máquinas e equipamentos de toda espécie.
O governo chinês oferece incentivos a quem quer produzir, fornecendo ampla transferência de tecnologia, capital e benefícios de toda ordem para inundar o planeta com produtos de preços imbatíveis, inimagináveis para qualquer concorrente ocidental. O marketing da China, apresentada como nação de sucesso e modernidade, está em todas as redes mostrando obras mirabolantes, faraônicas e inconcebíveis para qualquer outro país. Está ocupando até a Lua com um programa espacial estarrecedor.
O fenômeno de ocupação tentacular chinês, visto de uma cota mais alta (acima do debate patético a que assistimos no Brasil), se dá para manter um mundo ocidentalizado, sem mudar para um modelo chinês, centralizador e açambarcador.
A China não é mais o país miserável da década de 1960. Tornou-se rica e competitiva, adotando mão de ferro. Exterminou à bala os corruptos, aliviando assim o custo e os entraves que representavam. Centralizou estratégias e esforços conjuntos, mas já gerou uma casta de bilionários que andam de Rolls Royce e Lamborghini, enquanto a maioria dos trabalhadores tem semana de 72 horas – ou seis dias de 12 horas –, com 11 feriados e cinco dias de férias por ano. Sindicatos não existem.
Eis a questão: ninguém pode disputar mercados com a China – ela vem impedindo.
Trump encara esse pensamento por meio de uma linguagem e uma postura rude, apressada, definida como “incontinência de poder”. Já Lula, que representa o Brasil, apostou no Brics, nos braços da China.
Para os EUA, o Brasil se torna “amigo do inimigo”, propondo acelerar a perda da hegemonia norte-americana a cada reunião, mesmo tendo uma ligação de irmandade, com um passado e um presente com milhões de brasileiros que migraram para o que consideram um destino natural: a terra de Trump. O sonho de nove em cada dez brasileiros é viver como americano.
O Brasil não conseguiria adotar o modelo chinês das mil maravilhas tendo 17 mil sindicatos (são 190 nos EUA), 4 milhões de ações trabalhistas por ano (75 mil nos EUA), carga contributiva de 78% (16% na China) e uma carga tributária obscena, consumida por uma corrupção onipresente.
Na época da Presidência de Bolsonaro, o Brasil era um peso favorável no prato da balança norte-americana e de Trump. Hoje, por decisão ideológica e pessoal, esse peso mudou para o prato oposto.
Este é o problema de fundo da briga: “o amigo do meu inimigo é também meu inimigo”.
O fim, que pode ser trágico, arrastaria Lula para uma crise econômica que vai muito além da importância das posições ideológicas. Trump considera o STF uma arma de Lula, mais do que uma Corte independente. Vê no Supremo o instrumento indesejado, como enxergava as usinas iranianas de enriquecimento de urânio.
Não é preciso sair do Brics, mas adotar um comportamento menos ideológico – ou pessoal – externamente. O presidente representa um país inteiro e deve seguir as correntes naturais dos negócios e interesses brasileiros. Neste momento, precisa-se de uma atitude mais “Argentina”, que esbanje um “boom” de empregos e PIB, sem entrar em protagonismo internacional e seguindo as correntes e alianças naturais da economia.
O Brasil não pode bancar as consequências das medidas anunciadas, mas é prudente que haja uma decisão, para o bem da nação, num grande acordo, como fez o Japão. Vale mais um mau acordo do que uma boa briga.