OPINIÃO

Golpe aloprado

Reflexões sobre a narrativa que hoje incrimina um ex-presidente

Por Vittorio Medioli


Publicado em 18 de agosto de 2025 | 01:07
 
 
Vidros quebrados após protesto de 8 de janeiro de 2023, em Brasília

Se você que está lendo fosse um presidente da República derrotado em eleições, fraudadas ou não, daria um golpe de Estado quando ainda no poder ou aguardaria uma semana depois de ser transferido o cargo – desprovido, assim, de prerrogativas, poder, caneta, controle do Exército e das instituições da República?

Aparentemente seria muito mais promissor e menos complicado ainda com as rédeas do governo nas mãos, ainda no cargo e com todo o poder.

Mas, segundo a narrativa que hoje incrimina um ex-presidente, teria sido exatamente o que aconteceu no dia 8 de janeiro de 2023, na condição de cidadão comum, já com seu sucessor na Presidência – com prerrogativas, caneta e pleno controle das instituições e das forças de defesa e segurança.

Que serventia teria um bando de exaltados “patriotas”, e outros não identificados, vandalizar os prédios públicos na Praça dos Três Poderes – desprotegidos e sem segurança, apesar de correrem risco pela presença de milhares de manifestantes?

A prática mostrou que a tropa do Planalto, quando entrou em ação, controlou em poucas horas aquilo que poderia ter evitado acontecer. Não teve mortos. Lá não apareceram tanques de guerra e tropas armadas dos golpistas.

Reporto essas míseras ponderações que erguem o ex-presidente, segundo a narrativa, mais do que a um golpista, a um possível aloprado, insensato e temerário indivíduo.  

Em termos futebolísticos, teria deixado o campo para voltar a ele uma semana depois para tirar a taça do adversário?

Às acusações a que responde o ex-presidente golpista é preciso acrescentar uma de possível indigente mental, pois nem soube avaliar as forças que tem um presidente no cargo em relação a um cidadão expurgado do cargo.

Em âmbito militar se ensina na primeira aula que um adversário se enfrenta em situação de vantagem, e não depois de ter transferido todo o armamento a ele e estar de mãos abanando. Não existe um caso, em milhares de anos de história, de tanta insensatez.

No plano dos absurdos possíveis, o ex-presidente passará à história, se for considerado culpado e condenado, como o mais desastrado golpista de todos os tempos. Aquele que se desarma e entrega a baioneta ao inimigo para se jogar sobre ela. Também entrará para a história brasileira um juiz que seria sequestrado e morto na tentativa de golpe por assumir e se manter no processo.

O artigo 252 do CPC determina, ipsis litteris: “O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:

I – tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito (...).

IV – Ele próprio (juiz) ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito”.

O juiz nesse caso é uma das vítimas, e, se a narrativa de que ele seria assassinado é verdadeira, seria a primeira vez na história da jurisprudência ocidental que isso aconteceria, de um juiz atuar em causa própria.

A condenação do ex-presidente gerará, assim, jurisprudência irrecorrível, e, em relação ao foro e ao juiz competente, a interpretação do Código Penal será outra, com o Brasil passando a exceção à regra universal.

As disfunções jurídicas que o imperador Trump chama de “caça às bruxas” têm argumentos pesados, aparentemente guardados para outro momento. Enquanto o tarifaço gera desemprego, possivelmente, de milhões de pessoas por um caso que parece fora de parâmetros de bom juízo em âmbito internacional.

Se alguém lá fora identifica esses eventos como contrários aos direitos humanos, exageros autoritários, pior, ditadura do Judiciário, aqui, no Brasil, alguém está colaborando para que as dúvidas prosperem. Não há uma posição oficial explícita e clara.

Sempre atual continua Lênin: “Acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é”. Isso embaralha a compreensão dos fatos, dos direitos humanos, e serve a quem?