OPINIÃO

Et ultra

A filosofia não apenas purifica a razão e a predispõe para o contato com o universo, mas torna inteligível a complexidade e tende a estabilizar a natureza volúvel

Por Vittorio Medioli

Publicado em 04 de junho de 2023 | 06:00

 
 
Vittorio Medioli
Colunista de Opinião
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Existe uma época preparatória na trajetória de um ser humano, indefinida e quase eterna, e chega-se, por caminhos sofridos e probatórios, a certo grau de mérito e de intensidade, no qual a ação sem finalidade consciente consegue ser superada e abandonada. Isso não se dá de uma vez, o vai e volta do limiar de acesso se reproduz muitas vezes até ser conquistado solidamente outro nível, mais alto. Apesar de poucos méritos aparentes, pode uma influência externa acelerar esse salto, entretanto há algo “oculto” a justificá-lo. 

Pesam fundamentalmente todas as buscas pelo conhecimento – quando depuradas de tendências malévolas e rasteiras –, que tendem a refinar, sutilizar, purificar e conceder ao ser humano faculdades de discernimento superior. Contudo, sem se livrar da mentira, dos vícios, dos enganos e sem respeitar a pureza do corpo, continuaremos a rastejar sem grandes avanços, e provavelmente sofrendo quedas e atrasos. 

À medida que nos tornamos mais mentais, nossa natureza inteira adquire um modo de funcionar mais sutil e atento, torna-se mais apta a refletir e receber pensamentos elevados, uma vontade mais pura, uma verdade menos animalesca e materialista. Novas influências surgem de um interior, de um tabernáculo, até então desconhecido, mas real e radiante. 

O poder de purificação proporcionado pelo conhecimento ético, compromissado com a verdade, pelo hábito transparente do pensamento e da vontade aparece como óbvia e portentosa consequência. 

A filosofia não apenas purifica a razão e a predispõe para o contato com o universo, mas torna inteligível a complexidade e tende a estabilizar a natureza volúvel, a proporcionar a tranquilidade do sábio, que é sinal de uma serena maestria, em oposição à inquietação e insegurança do bruto. 

A pureza dos pensamentos e das intuições cresce naturalmente e se consolida. 

O cuidado com a beleza natural e universal, mesmo em suas formas estéticas, tem um poder intenso de refinamento e sutilização da natureza; passa a ter importância e apreço por tudo. Uma grande força de simplificação e purificação, a busca apenas do imprescindível, da clareza e do melhor para todos domina a vontade e o pensamento. 

Mesmo os hábitos científicos da mente e a busca desinteressada das leis e das verdades cósmicas não só refinam as faculdades de raciocínio e de observação, mas também, quando não são neutralizados por tendências egoístas, exercem sobre a mente e a natureza moral uma influência estabilizadora, serena, de elevação, cuja importância se reflete no agir correto. 

A concentração da mente e o treino progressivo para domesticar a vontade, contentar-se com a verdade e viver nela são resultados imediatos e evidentes. Uma necessidade perpétua dessas buscas de evolução pessoal se apodera da forma de vida. No final, em sua intensidade mais alta, as buscas de avanços devem conduzir, primeiro, a uma percepção intelectual interior, depois a uma percepção que reflete uma realidade cósmica e divina exterior e deve culminar numa identificação de unidade universal. O indivíduo dentro do cosmo e o cosmo dentro do indivíduo se iluminam, descortinam o prazer, e não mais o medo de mergulhar no infinito.   

Mas tudo isso não pode ir além de certo ponto, precisa-se consolidar o merecimento de uma ajuda superior que nos encontrará, seja o que for, impecável e inexoravelmente, na hora certa, para nos levar “ad astra et ultra”.