VITTORIO MEDIOLI

O espectro que assusta

É urgente que o governo federal estabeleça um enfrentamento oficial dos problemas que envolvem o transtorno do espectro autista, pois ele não cabe mais debaixo do tapete onde se tentou colocá-lo

Por Vittorio Medioli

Publicado em 19 de novembro de 2023 | 03:00

 
 
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Colunista de Opinião
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No dia 2 de abril de 2023, a ONU promoveu o Dia Mundial de Conscientização do Autismo como forma de ampliar a consciência sobre as necessidades e os direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Uma condição que hoje não é considerada doença ou deficiência mental, porque, em muitos casos, se assemelha mais a um ponto de vista diferente do comum, a uma experiência de vida dissociada, mas não necessariamente patológica ou insana. 

Constata-se em crianças, jovens e adultos classificados como autistas a incapacidade de reagir como outras pessoas. A palavra “autismo”, quando se firmou na década de 1940, indicava um comportamento predominantemente autossuficiente, refratário, recolhido em si, não predisposto a envolver-se com aquilo que acontece no mundo ou a manter interações sociais. 

O próprio conceito, mais recente, de “espectro” sinaliza um leque mais extenso, uma heterogeneidade de aspectos e intensidades do fenômeno autista. Os casos têm aumentado acentuadamente nas últimas décadas e fizeram tocar o alarme nos países mais atentos aos fenômenos sociais. O Brasil, nesse caso, segue, como sempre, com atraso e sem planejamento. Deve-se entender que colaboraram para a escalada os novos e mais afinados conceitos de diagnóstico. 

O número de crianças diagnosticadas com espectro autista nos EUA, país que têm os melhores métodos de aferição, é surpreendente. Na série de atualizações periódicas, na população de 8 anos, registra-se que, em 2000, havia aproximadamente uma criança americana com diagnóstico de autismo a cada 150 crianças. Em 2016, a prevalência aumentou para uma em 54 crianças e, em 2018, uma em 44 crianças. E, finalmente, em 2020, atingiu o número de uma criança em 36. Isso representa cerca de 2,8% da nova geração. 

A maior incidência de transtornos autistas é no sexo masculino: é de 4% nos meninos e 1% nas meninas. 

A relevância dos casos americanos é muito superior à encontrada no resto do mundo, apesar de o autismo ter avançado em toda a Europa. Estudo da ONU aponta uma criança autista em 160 na Dinamarca e Suécia; uma em 86 no Reino Unido; e uma em 77 na Itália, enquanto a média mundial está próxima de uma em cem. 

As causas do fenômeno permanecem incertas. Os pesquisadores têm associado um maior risco de desenvolver transtorno do espectro autista às condições de vida dos tempos modernos, à poluição da atmosfera e aos problemas de saúde materna no período de gravidez, entre eles infecções e obesidade. Outra possível causa seria a idade dos pais no momento da concepção, mas o diagnóstico em filhos de pais idosos, principalmente levando-se em consideração a idade do pai, é de apenas 3%.  

O aumento da prevalência ocorre em Estados que têm políticas assistencialistas mais consistentes e que contemplam os autistas com maiores benefícios e subsídios públicos. 

No Brasil, alunos com autismo, de acordo com a Lei 12.764/2012, têm direito a um assistente pedagógico, desde que seja comprovada a necessidade. Isso representa um custo de mais um agente contratado por aluno. Hoje, em Betim, existem 1.970 atendentes dedicados aos casos de transtorno e deficiência. Numa rede de 62 mil alunos, a incidência é 3%. Há dez anos, era de aproximadamente 0,3%. Ou seja, o número inchou e fez com que o custo anual de manutenção desse atendimento subisse, apenas em Betim, cerca de R$ 45 milhões a cada ano, isto é, 10% do Orçamento da educação e 2,2% do Orçamento geral, ou mais do que os investimentos diretos em infraestrutura. Um típico caso de obrigação legal que impõe gastos aos municípios sem indicar a fonte ou determinar repasse federal. 

O artigo 3º da Lei 12.764, parágrafo único, estabelece: “Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º, terá direito a acompanhante especializado”. 

Isso contraria o disposto constitucional que veda criar despesas sem indicar a fonte de receita e, pior, o coloca na responsabilidade dos entes municipais. 

Caso a média de Betim se repita no resto de Minas Gerais, teremos 45 mil alunos assistidos por atendimento especializado, e isso gera custos adicionais de cerca de R$ 2,1 bilhões por ano. 

É urgente que o governo federal estabeleça um enfrentamento oficial dos problemas que envolvem o transtorno do espectro autista, pois ele não cabe mais debaixo do tapete onde se tentou colocá-lo.