Vittorio Medioli

Vittorio Medioli

Empresário e político de origem italiana e naturalizado brasileiro, Vittorio Medioli está em seu segundo mandato como Prefeito de Betim. É presidente do Grupo SADA, conglomerado que possui mais de 30 empresas que atuam em diversos segmentos da economia, como logística, indústria, comércio, geração de energia e biocombustíveis, além de silvicultura, esporte e terceiro setor. Estudou Direito e Filosofia pela Universidade de Milão. Em sua coluna aborda temas diversos como economia, política, meio ambiente, filosofia e assuntos gerais.

Opinião

Podemos salvar a Pampulha

Ser conciso e essencial é um desafio

Por Vittorio Medioli
Publicado em 26 de fevereiro de 2023 | 12:44
 
 

Na quarta-feira me apresentei na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte, convidado pelo seu presidente, vereador Gabriel Azevedo, para discutir, em plenária, as medidas que poderiam ser tomadas para preservar o patrimônio ambiental e arquitetônico da Pampulha no limiar de seus 80 anos de existência.

Obra-prima do gênio Oscar Niemeyer e de uma equipe que dispensa considerações, serviu de laboratório para em seguida exportar, de Belo Horizonte para o resto do planeta, ousadia, inovações e bom gosto.

“O que fica de um evento é a versão distribuída pela imprensa”, ouvi muitas vezes essa advertência, e devo dizer que a versão da minha passagem pela Câmara representou apenas uma parte, e não a mais importante, de quanto afirmei. Devo ter falado exageradamente.

O tema, na realidade, é complexo, e, para o cidadão submerso nos desafios do cotidiano, a lenta degeneração e asfixia da Pampulha passam desapercebidas. Para as mais recentes gerações se ergue como enigma, já que em ordem de prioridade a Pampulha fica no fim de uma longa fila.
Ser conciso e essencial é um desafio. 

Já na década de 1990, coloquei minhas empresas, e eu pessoalmente, para retirar, sem nada cobrar, durante o governo de Patrus Ananias, cerca de 1,8 milhão de metros quadrados de aguapés (planta aquática), que ocupavam 90% do espelho d’agua da represa, trazendo a praga dos pernilongos consigo.

A empreitada durou quatro meses de dias e noites trabalhadas. Resultou no carregamento de 25 mil viagens de caminhão para levar os aguapés até a abandonada ilha da Toca. As plantas em poucos dias se desidratavam, deixando uma fina camada de resíduo vegetal.

A operação “inacreditável” naquela época gerava multidões de curiosos até a orla, rendeu muitas matérias jornalísticas em todo o país. Com pouco fizemos muito, bem feito, e demos “vergonha” ao poder público para encarar os aguapés sem deixar exasperar a população de frequentadores.

Depois disso, uma mudança: o fenômeno não se repetiu mais. BH aprendeu, e hoje esqueceu, que em outra época conviveu com essa praga assoladora por longos períodos.

De lá pra cá a degradação da Pampulha continuou, facilitada pela incompetência da prefeitura e pelo modus operandi da empreiteira que detém o monopólio das intervenções na represa há mais de 40 anos.

Monopólio concedido com dispensa de licitação, justificado por sua notória “capacidade(!)”.

O último contrato de desassoreamento da Pampulha é de 2018, comemorado naquela época como o “retorno das obras” pela empreiteira enxovalhada pela Lava Jato.

A Pampulha “tem dono”. Um dono em pele de cordeiro que fatura até hoje altos valores para servir de guardião do agonizante “cartão-postal de Minas”. 

Parece que a principal preocupação com a Pampulha, como afirmaram vereadores durante a audiência, trata-se de “maquiar” adotando uma inoperância contumaz que custa caríssimo.

Nota-se que, desde quando a empreiteira passou a dragar com equipamentos de alcatruzes a lama da represa (comparável à tarefa de Sísifo  para deixar tudo inalterado), coincidentemente se deixou de rebaixar o nível da água que anteriormente ocorria a cada ano, no final do inverno. Parece que ficou “proibido” mostrar o fundo da represa em estado de falência pela insana escolha de métodos absurdos e na contramão dos pilares das normas de engenharia que foram adotadas. 

O seu efeito prático se revela quase nulo, pois os alcatruzes (conchas que escavam o fundo) subindo à superfície perdem o seu conteúdo leve pela pressão da água. A lama se liquidifica. 

Os alcatruzes são recomendados, segundo tratados de engenharia e dragagem,  para retirada de cascalhos, ou seja, material granulado sólido e pesado, e não é o caso da lama e finas areias da Pampulha.

O rebaixamento do nível normal das águas, como era realizado anteriormente, deixando à vista o fundo de metade da lagoa, permitia entrar com máquinas para sua limpeza a seco. A medida, ademais, é salutar para ampliar o efeito de bacia de contenção de águas para aliviar a vazão dos córregos a jusante. 

Malgrado a prática dos últimos anos seja outra, podemos afirmar que é possível remover milhares de metros cúbicos de sólidos (cerca de 600 mil  numa primeira etapa) que assoreiam a represa. Isso com uma operação de rebaixamento das águas, drenagem, escavação a seco e transporte na enseada do zoológico para seu alteamento de 4 m ou 5 m. Em algumas  semanas poderá se devolver uma importante capacidade de armazenamento de águas, tirando da criticidade cerca de 30% da área da represa em fase terminal de assoreamento.

Outro ponto inexplicável, segundo os vereadores de BH, é a ausência de um relatório de monitoramento de sólidos, ano a ano, apesar de o fenômeno existir com severa intensidade nos últimos 50 anos. Quanto entrou de material? Onde se depositou? Qual a capacidade preservada de armazenamento hídrico? Qual a capacidade de contenção em época chuvosa (que não se adota mais)? São inúmeros os mistérios que envolvem a gestão da bacia.

Quando se levanta a degeneração da Pampulha, o debate se faz apenas em volta dos esgotos sanitários e industriais, envolvendo a Copasa, mas os sólidos que assoreiam a represa são silenciados. 

Já se perderam as enseadas da Toca da Raposa e do zoológico, gerando duas ilhas equivalentes a 20% da área original. Mas a fina lâmina d’água esconde o assoreamento, nos últimos 15 anos, de mais de 30% da área remanescente do espelho d’agua.

Não existe, também, qualquer preocupação e plano palpável para reúso desses resíduos, como seria lógico e oportuno devolver à construção civil as areias e materiais que acabaram na lagoa. Como fizemos em Betim, ao promover reúso de areias. É dever público adotar sistema circular e sustentável que possa facilitar a vida e saúde do município. 

Assusta a omissão contumaz dos gestores públicos, enquanto as iniciativas acatadas (sugeridas pela empreiteira) se dirigem a dar alta lucratividade para ela (já detectado e denunciado pelo MPMG).

Um estudo e uma auditoria “imparciais” (o que é dificílimo) deveriam esclarecer (e não ocultar) os fatores degradantes e apontar formas eficientes, econômicas e rápidas de preservação do patrimônio ambiental e hídrico. O lençol de águas cada vez mais fino, se for retirado, vai descobrir um paciente em estado de agonia terminal.

Estão mais do que certas as preocupações da Câmara dos Vereadores e de seu presidente. 

Se fosse mais jovem, como era na década de 1990, quando enfrentei os aguapés, me ofereceria para, em quatro meses, retirar 600 mil, ou mais, metros cúbicos de sólidos, colocando-os ordenadamente na ilha da enseada do zoológico. Usaríamos rebaixamento momentâneo das águas, que descobriria 40% da área da represa, adotando-se o cuidado de confinar a fauna no resto da bacia que ficará inundada. Em seguida, num ritmo de 7.000 metros cúbicos por dia, seriam retirados os sólidos da represa e transportados (para alteamento) na ilha da enseada do zoológico. Daria em seguida para a prefeitura um plano consistente de reúso dos resíduos.

A forma de viabilizar economicamente a operação poderia ser a permuta do custo da obra, estimado em R$ 15 milhões, com valores de IPTU futuro. 
A Pampulha estaria a salvo? Creio que sim. Para alegria, em outras dimensões, dos gênios e grandes homens que nossa terra produziu no passado e deixaram essa herança e uma enorme saudade.

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