Certamente, você já ouviu falar nestas duas situações: um candidato a vereador que recebeu muitos votos, mas não conseguiu se eleger, e outro que não foi bem votado, mas conquistou uma cadeira no Legislativo. A explicação para esses resultados vem de equações aplicadas pela Justiça Eleitoral e envolve dois fatores básicos, chamados de quociente eleitoral (QE) e quociente partidário (QP).
O primeiro cálculo que precisa ser feito é o do QE. Nesse caso, o número de votos válidos apurados no município é dividido pela quantidade de vagas disponíveis no Legislativo. Por exemplo, nas últimas eleições municipais, em 2020, Betim contabilizou 206.094 votos válidos (excluídos brancos, nulos e abstenções). Divide-se esse número por 23, que é o total de vereadores da cidade. O QE, então, foi 8.961 (os decimais devem ser desprezados, e é feito o arredondamento pra cima, se for igual ou superior a 0,5, ou pra baixo, se for igual ou inferior a 0,4).
Para ser eleito, um candidato precisa, primeiramente, obter ao menos 10% do quociente eleitoral em votos. Portanto, na situação que ilustramos aqui, para assumir uma cadeira no Legislativo betinense, o postulante precisaria ser escolhido por, no mínimo, 896 eleitores.
Já para se chegar ao QP, os votos válidos destinados ao mesmo partido ou federação devem ser divididos pelo QE. Aplicando essa regra ao cenário que usamos para calcular o quociente eleitoral, vamos considerar que, em Betim, o partido X tenha recebido 20 mil votos válidos. O QP dele, então, seria 2,3. Ou seja: a legenda teria direito a duas vagas na Casa.
É justamente por causa dessa matemática que, às vezes, a impressão que se tem é que a conta não fecha, mas, entendendo como são feitos os cálculos eleitorais, é possível compreender a lógica que resulta na eleição de uns candidatos e na de outros não.
Um dos cenários possíveis é um partido alcançar ou superar o QE (ter 8.961 votos ou mais, seguindo a referência que usamos nesta matéria), mas nenhum postulante da legenda conquistar o mínimo de votos (10% do quociente eleitoral). Quando isso acontece, mesmo tendo direito a uma ou mais cadeiras, aquela sigla não terá nenhum representante no Legislativo.
Outra possibilidade é um partido conseguir quatro vagas na Câmara, por exemplo, mas ter cinco candidatos aptos, considerando o parâmetro de desempenho individual (10% do QE). Nesse caso, aquele que tiver o menor quociente fica de fora.
Uma terceira situação que pode ocorrer é a soma de todas as vagas dos partidos ser inferior ao total de cadeiras em disputa. Vamos imaginar que, juntas, as legendas ocupassem 18 vagas. Ainda restariam cinco a serem preenchidas na Casa Legislativa do município. “Quando isso acontece, as vagas vão para a sobra”, diz a advogada eleitoralista, cientista política e especialista em contas partidárias e eleitorais Gracielle Barbosa.
Podem concorrer à sobra os partidos que tiverem ao menos 80% do QE e os candidatos que alcançarem 20% do quociente (regra conhecida como 80/20). Aqui, os votos válidos obtidos pela sigla são divididos pelo próprio QP + 1. O partido ou federação que tiver a maior média terá direito a uma vaga. “A operação deverá ser refeita enquanto houver sobras de vagas restantes”, frisa o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O partido que conquista uma vaga pode seguir na disputa, mas tem a média reduzida (votos válidos divididos pelo QP + 1 + 1, e assim por diante). A partir da terceira distribuição, o critério 80/20 deixa de existir, e todas as siglas entram na disputa, aumentando a isonomia do processo.
Distribuição de vagas
O fim da restrição de acesso de partidos e candidatos às sobras eleitorais é uma decisão recente, que será colocada em prática pela primeira vez neste ano, sem afetar o resultado das eleições de 2022, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“A chamada cláusula de barreira teve início com a Reforma Eleitoral, em 2015. Com ela, os partidos pequenos e os candidatos novos, que não recebiam muitos votos, não entravam na disputa”, pontua Gracielle.
União de siglas
Desde as eleições municipais de 2020, não são mais permitidas as coligações partidárias para cargos proporcionais (vereadores, deputados estaduais e distritais e deputados federais). O que pode ocorrer é a formação das chamadas federações, que permitem que dois ou mais partidos atuem de forma unificada, como se fossem uma só legenda, durante as eleições e na legislatura seguinte por, no mínimo, quatro anos.