DECISÃO LIMINAR 

Justiça suspende licença prévia das obras do Rodoanel 

Falta de consulta a comunidade afetada pelo projeto foi determinante para a decisão federal; proposta prevê passagem da via por 11 municípios da região metropolitana

Por Leonardo Augusto
Publicado em 08 de outubro de 2025 | 20:11
 
 
Projeto do Estado prevê passar o Rodoanel na APA Várzea das Flores e em bairros povoados de Betim e Contagem

A Justiça Federal em Minas Gerais suspendeu, nesta quarta (8/10), a licença prévia para o início das obras do Rodoanel, concedida pelo governo de Minas. A decisão, que tem caráter liminar, foi tomada dentro de ação movida pela Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais. A argumentação, acatada pela Justiça, foi a de que grupos que fazem parte da entidade – e que vivem na área prevista para ser cortada pela rodovia – não foram consultados sobre a obra.

A decisão é do magistrado Marcelo Aguiar Machado, juiz substituto da 10ª Vara do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), em Minas Gerais. O projeto do Rodoanel prevê passagem por 11 municípios da Grande Belo Horizonte ao longo de 100 km. A previsão de investimentos na primeira etapa da obra, que engloba um trecho de 70 km, é de R$ 3 bilhões pelo Estado e de R$ 2 bilhões pela concessionária, a Rodoanel BH S/A.

Havia uma expectativa de que as intervenções pudessem começar ainda neste ano, mas o prazo foi revisto para 2026. No entanto, a decisão da Justiça pode retardar ainda mais o início dos trabalhos.

Em entrevista à reportagem em setembro deste ano, o vice-governador Mateus Simões (Novo) havia afirmado que a obra começaria “em dois ou três meses”.
Na decisão divulgada nesta quarta, o juiz afirma que, ao não ouvir as comunidades afetadas, os responsáveis pelo empreendimento ferem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que protege os direitos dessa população atingida. 

O posicionamento do magistrado determina ainda que os procedimentos para concessão da licença ambiental, próximo passo para o prosseguimento do projeto, sejam paralisados.

Repercussão

Em nota, a Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra), citando a Advocacia-Geral do Estado (AGE), afirmou que se manifestará nos autos do processo. “A Seinfra reforça o seu compromisso com a transparência e a colaboração com todos os órgãos de Justiça e controle”, disse o governo no posicionamento.

No processo, o juiz afirma que o governo admite a necessidade de a concessionária ouvir os quilombolas. “O Estado de Minas Gerais vem aos autos e voluntariamente apresenta sua manifestação prévia e junta documentos, defendendo que não há violação aos direitos previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, diz o magistrado nos autos. 

Ainda segundo o juiz, a argumentação do Estado é a de que, por se tratar de uma Parceria Público-Privada (PPP), o momento da consulta é o da elaboração do licenciamento ambiental.

Posicionamento

A Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais falou nesta quarta sobre a decisão liminar da Justiça Federal. “Essa é uma importante vitória das comunidades quilombolas, que, mais uma vez, reafirmam o seu direito de serem ouvidas antes da decisão estatal sobre a viabilidade socioambiental do empreendimento”, afirma a federação em nota.

O que vale

A licença prévia suspensa pela Justiça nesta quarta foi concedida pelo governo do Estado em 27 de fevereiro. O documento foi emitido pelo Conselho de Política Ambiental (Copam), mas apenas atesta a viabilidade da obra. A licença ambiental, cuja liberação o estado aguardava que acontecesse até o fim deste ano, é que autorizaria o início da construção da via.

Investimento para aliviar Anel Rodoviário

O projeto do Rodoanel prevê um traçado, já muito questionado, que corta as cidades de Sabará, Santa Luzia, Vespasiano, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, Contagem e Betim, interligando a BR-381 com as rodovias MG-020, MG-010, MG-424, LMG-806, BR-040, LMG-808, BR-381 e terminando no contorno da BR-262. A justificativa é que a via pode contribuir para a redução de acidentes no Anel Rodoviário, pois retirará boa parte do tráfego da via que corta a capital mineira, principalmente de veículos pesados.

As principais críticas às obras partiram das cidades mais afetadas: Betim e Contagem. A argumentação é a de que a via, nesses municípios, passaria por áreas densamente povoadas. Em Contagem, a preocupação se estende também à preservação da bacia da Várzea das Flores.

Em 26 de agosto, o governador Romeu Zema, por decreto, deu status de obra estratégica ao Rodoanel, o que agilizaria os procedimentos para aquisição da documentação. Com a medida, atividades ligadas à elaboração de projetos, construção, operação e manutenção da via teriam prioridade nos processos de análise e decisão da Feam.

O leilão para concessão do Rodoanel foi realizado em 12 de agosto de 2022 e teve como vencedora a empresa italiana INC SPA, que criou a Rodoanel BH S/A para administrar a via. A concessionária apresentou proposta de pagamento de R$ 91,4 milhões e garantia de investimento de R$ 2 bilhões, com prazo da exploração de 30 anos. Por parte do Estado, os recursos vêm do acordo judicial assinado com a Vale como reparação da tragédia de Brumadinho. 

Liminar corrige falha, diz Contagem

A Prefeitura de Contagem avaliou como uma importante vitória para o meio ambiente e para os direitos das comunidades tradicionais a decisão da Justiça Federal que determinou a suspensão da licença ambiental prévia do Rodoanel Metropolitano. A medida atendeu a um pedido do município, inserido em uma ação civil pública com os quilombolas.

Segundo a prefeitura, a decisão judicial corrige uma falha no processo conduzido pelo estado, reconhecendo a ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades que serão diretamente impactadas pelo importante empreendimento.

“A administração municipal reafirma sua disposição em conversar com o estado, desde que o traçado da via seja refeito e os preceitos sociais e ambientais legais sejam respeitados. Da forma como está planejado, o Rodoanel representa risco para a Bacia de Vargem das Flores, importante manancial de abastecimento para a região metropolitana. O atual traçado também corta bairros da cidade ao meio e ainda representa um risco para as comunidades e povos tradicionais”, ressalta a Prefeitura de Contagem em nota.

Também acionada, a Prefeitura de Belo Horizonte afirmou que não falaria sobre a decisão porque o Rodoanel não passa pela cidade. A reportagem entrou em contato ainda com a Prefeitura de Betim e com a empresa Rodoanel, mas não tinha obtido retorno até o fechamento desta matéria.