O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) vai apurar denúncias de compras irregulares de lotes no Assentamento 2 de Julho, no bairro Vianópolis. A área da antiga Fazenda Ponte Nova foi destinada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em 1999 para fins de habitação e exploração da terra por meio da agricultura de subsistência com emprego de mão de obra familiar. Por se tratar de um projeto de reforma agrária, a comercialização de parcelas do terreno não é permitida.
Em nota, o Incra informou que “vai vistoriar o assentamento para identificar e notificar eventuais ocupantes irregulares. Áreas adquiridas de forma ilegal por terceiros serão retomadas pelo instituto”, frisou a instituição, sem detalhar quando a vistoria será feita no local.
A reportagem do O TEMPO Betim esteve no assentamento e conversou com um morador, que pediu para não ser identificado. Ele vive no local há 26 anos com a família e confirmou que, de lá para cá, muitos lotes já foram comprados por terceiros. “As pessoas foram beneficiadas com áreas – no meu caso, 5,5 hectares –, mas teve gente que vendeu quase tudo. Venderam uma coisa que não era delas porque isso aqui é um terreno da União”, disse. “Eu, graças a Deus, nunca vendi, não quero nem posso vender. Respeito as regras”, emendou, referindo-se ao Contrato de Concessão de Uso (CCU), documento que garante a permanência e a exploração do lote no assentamento, bem como o acesso aos créditos oferecidos pelo Incra e a outros programas do governo federal de apoio à agricultura familiar.
Segundo o morador, inicialmente, centenas de pessoas ocuparam a antiga fazenda, mas a maioria delas deixou o local após o processo de reforma agrária. Hoje, de acordo com o homem, 63 famílias vivem lá. “Várias pessoas saíram daqui, mas deixaram o rastro para trás. Passaram terreno pra um, pra outro. Não tenho nada com isso porque não estou aqui para ser fiscal de ninguém, mas a gente percebe essas coisas. Não sei até que distância o Incra está observando isso”, pontua.
Também procurada pela reportagem para comentar a venda irregular de lotes que supostamente vem ocorrendo, a associação que representa os trabalhadores rurais assentados afirmou, por meio de nota, que não tinha interesse em conversar com a equipe “a fim de preservar o bom diálogo entre os agricultores”. “A autarquia Incra tem o mérito de falar sobre o assunto. Por esse motivo, cabe a eles dar entrevista e expor as leis e as condições dos projetos de assentamentos”, ressalta o texto.
“Isso aqui é um projeto de reforma agrária. A terra é pra plantar, colher, comer e vender o que sobra, e é o que nós temos feito”, afirma o morador do Assentamento 2 de Julho ouvido sob sigilo pela reportagem. Decidido a permanecer no local, ele conta que o processo de tornar a terra produtiva novamente não foi fácil. “É resultado do trabalho que eu e minha família temos feito no dia a dia”, pontua.
Na avaliação do homem, houve negligência das autoridades para evitar que terceiros adquirissem lotes depois de todas as dificuldades enfrentadas pelos assentados. “Se houvesse uma fiscalização boa mesmo, o Estado jogando pesado, colocando a gente no eixo, muitos não teriam pisado na bola. Fizeram isso porque ficaram muito soltos, à vontade”, conclui.
A antiga Fazenda Ponte Nova, instalada na MG–050, às margens do rio Paraopeba, foi ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em 2 de julho de 1999. A data inspirou o nome do que, futuramente, se transformaria no conjunto de unidades agrícolas da reforma agrária.
Até o fim do século XIX, a agropecuária desenvolvida na propriedade teve um papel importante na economia local, mas, no início do século XX, a produção entrou em decadência, e o terreno foi declarado improdutivo pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), possibilitando a cessão ao MST anos mais tarde.
De acordo com o movimento, essa foi a primeira ocupação da região metropolitana, tendo inclusive abrigado moradores despejados de outros assentamentos. Em janeiro de 2011, o conjunto arquitetônico da antiga fazenda foi tombado como Núcleo Histórico do Assentamento 2 de Julho.