'Engenharia'

Compra de precatórios de Betim por fundo é ilegal e burla CVM

Comissão de Valores Mobiliários impede compra de título com embaraços judiciais; empresa que gere Masone investiu R$ 350 milhões na Renova Energia, envolvida em corrupção

Publicado em 26 de outubro de 2020 | 21:16

 
 
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O fundo Masone, pertencente ao Banco Modal, responsável pela compra dos precatórios de R$ 480 milhões provenientes de uma dívida que é cobrada pela empreiteira Andrade Gutierrez da cidade de Betim, considerada objeto de fraude pela Procuradoria Geral do Município – e também questionada pela Polícia Civil, Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), além de uma perícia independente que atestou falsificação na assinatura de agentes públicos –, é gerido por outra empresa de gestão de valores mobiliários: a Quadra Gestão de Recursos Financeiros. Essa empresa investiu R$ 350 milhões na Renova Energia, que é investigada pela Polícia Federal, juntamente com a Cemig e Andrade Gutierrez. 

O aporte desses recursos milionários na Renova Energia foi realizado no último dia 8, ou seja, seis dias depois de o fundo ter comprado os precatórios da Andrade Gutierrez, o que aumenta ainda mais a desconfiança em torno dos reais motivos da aquisição desses precatórios. 

A Renova Energia, assim como a Cemig e a AG, foi alvo de operações da PF. Em abril do ano passado, a Receita Federal, em conjunto com a própria Polícia Federal, deflagrou a operação “E o Vento Levou”, quarta fase da operação Descarte. O objetivo era o de obter provas adicionais sobre operações fraudulentas usadas para esconder crimes de sonegação fiscal, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, associação criminosa e falsidade ideológica. Essa ação, que envolveu buscas em instalações da Cemig e da Renova Energia, além de residências de executivos das empresas e da empreiteira Andrade Gutierrez, foi desencadeada a partir da delação do doleiro Alberto Youssef. 

Foram cumpridos, na época, 26 mandados de busca e apreensão em locais utilizados por pessoas ligadas à organização criminosa. Os mandados foram expedidos pela 2ª Vara Federal após representação da PF e do MPF nos Estados de São Paulo, Rio e Minas.

Segundo a Receita, todo o material apreendido na primeira fase da operação Descarte, ocorrida em março de 2018, conseguiu concluir que o grupo é especialista em colocar em prática sofisticados esquemas para sonegação tributária, crimes financeiros e lavagem de dinheiro, atuando também em uma operação fraudulenta envolvendo a Cemig e a Renova Energia, do setor eólico (motivo pelo qual a operação ganhou o nome de “E o Vento Levou”).

Renova é investigada pela PF
A Cemig realizou um aporte de R$ 810 milhões na Renova, como forma de diversificar seus investimentos. “Ocorre que, do valor do aporte, pelo menos R$ 40 milhões foram desviados por meio de diversos contratos fraudulentos, com o objetivo de obter dinheiro em espécie e remessas ilegais ao exterior”, disse a Receita Federal, em reportagem publicada nos principais veículos de comunicação do país. 

O procurador geral de Betim, Bruno Cypriano, vê semelhanças entre o caso investigado pela operação “E o Vento Levou” e a manobra que a Andrade Gutierrez está fazendo para tentar “esconder” os valores advindos da cobrança de precatórios de Betim. 

Conforme Cypriano, “o dinheiro, todo ele em espécie, segundo apurou a Receita Federal, foi dividido entre diversos executivos, incluindo os da Andrade Gutierrez e da Renova”. “Está em processo de comprovação que a empreiteira tinha diversos negócios com a Renova, alguns que nunca saíram do papel, como o parque eólico na Bahia. Vale ressaltar que a Quadra Gestão de Recursos Financeiros fez aporte de recursos de R$ 350 milhões na Renova no último dia 8, ou seja, seis dias depois de o fundo Masone ter comprado os precatórios da AG. Por isso, vamos denunciar isso às polícias Federal e Civil”, explicou. 

Município vai denunciar ‘transação ilegal’ 
No caso de Betim, quatro dias antes de o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) suspender a liminar que impedia a cobrança dos precatórios, o fundo Masone, descumprindo regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regulamenta o mercado de precatórios, adquiriu a dívida da Andrade Gutierrez. Como o precatório ainda estava suspenso por ordem judicial, ele não poderia ser vendido. 

Como explica o advogado Joab Costa, a CVM se reúne de três em três meses e não teve como avaliar a operação entre a AG e o fundo Masone. “A próxima reunião da CVM só acontecerá em dezembro, portanto é de suma importância que a Justiça atue imediatamente no impedimento desta operação claramente ilícita, pois, caso ela seja consolidada, os recursos desses precatórios sumirão, acarretando grandes prejuízos ao erário, além de permitir uma operação ilegal”.

Segundo o advogado, uma transação desse tipo só seria possível se o título estivesse completamente desembaraçado. “Uma negociação dessas só seria possível se tivesse tudo livre, mas não é o caso. Nenhum fundo se arriscaria tanto na compra no momento da negociação”, explicou Costa, responsável pela ação popular que tenta anular a cobrança da AG.

Diante desses fatos novos, a Procuradoria do Município ingressará com denúncias na Polícia Civil e na CVM. “Vamos fazer uma notícia-crime por ocultação de bens, pois essa transação é uma forma de ocultar bens e dificultar que o município depois recupere esse valor cobrado da dívida, que é fraudulenta. Também vamos denunciar na Comissão de Valores Mobiliários porque o precatório foi vendido enquanto ele estava sendo contestado judicialmente, o que é errado”.

Após o TJMG cassar a liminar que suspendia o pagamento dos precatórios, Betim pode ter R$ 131 milhões em recursos bloqueaos de suas contas nos próximos dias.