Polêmica

Estado repassa responsabilidade de estudos do Rodoanel à Oscip

Repasse à organização privada se justifica por ‘ausência de ônus’, diz MG. Estudos bancados por Movimento Brasil Competitivo descartam participação de municípios afetados

Publicado em 12 de novembro de 2021 | 00:30

 
 

Oprojeto do Rodoanel, além de levantar suspeitas sobre nomeações e artimanhas, conforme mostrou O TEMPO ontem, tem em seu processo outro fato que chama atenção: as consultorias feitas para a elaboração dos estudos do traçado. Isso porque, desde 2019, a responsabilidade da governança dos estudos de viabilidade do corredor viário está a cargo do Movimento Brasil Competitivo (MBC) – organização da sociedade civil composta por empresas fundadas há 20 anos que atua em várias frentes para aproximar o setor público do privado.

O acordo firmado entre a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) e o MBC visava, segundo o Estado, “viabilizar a estruturação de projeto para desenvolver os estudos de viabilidade e a modelagem, a manutenção e a operação” do Rodoanel. O governo afirma que não houve ônus para o Estado e que “todas as consultorias para o projeto foram contratadas diretamente pelo MBC”. Mas os estudos bancados pelo movimento descartaram a participação de municípios afetados, que alegam que não foram ouvidos nas discussões anteriores.

A ação do Estado em jogar a governança dos estudos do Rodoanel para uma entidade civil causou estranheza ao deputado estadual Professor Cleiton (PSB). “Definitivamente, não é um procedimento comum. O que poderia acontecer é, diante de projetos muitos complexos, haver a necessidade de um suporte altamente especializado, o que não parece ser o caso. Todas essas questões precisam ser devidamente justificadas. Caso contrário, pode caracterizar até mesmo um desvio de finalidade com o objetivo de beneficiar alguma empresa em detrimento das demais. Importante reiterar é um procedimento incomum”, disse.

No dia 3 de novembro de 2020, a Seinfra divulgou em seu site que a mineradora e o MBC assinaram o acordo para viabilizar a estruturação dos estudos de modelagem do Rodoanel e que a mineradora “doou os recursos financeiros ao MBC” – mesmo o Rodoanel sendo um projeto de Estado, construído com recurso público. 

O acordo entre a Seinfra e o MBC foi assinado quando Marco Aurélio Barcelos ainda era secretário da Seinfra, que idealizou o projeto de concessões de rodovias do Estado, entre eles o do Rodoanel. Ele deixou a pasta em julho de 2020 e assumiu, apenas dois meses depois de sair do governo, a direção da Associação Brasileira de Concessões de Rodovias (ABCR). Barcelos declarou, na época, que os programas de concessões e PPPs estavam “em fase avançada de estruturação, com consultores trabalhando na montagem dos editais de licitação e nas minutas dos futuros contratos de parceria”. Entre esses contratos estaria a proposta do Rodoanel. 

Trama difícil de ser entendida
“É uma trama difícil de ser entendida. Não sabemos onde começa, onde termina, qual interesse está em jogo. O recurso que será usado na obra é público, mas o Estado falar que a responsabilidade da governança dos estudos é de uma entidade privada? Com essa trama sobre o Rodoanel que está sendo trazida à luz do dia, a gente percebe por que os impactos sociais na população estão sendo deixados em segundo, terceiro, quatro plano. Parecem que não se importam em passar uma muralha dessas dentro de centros urbanos, dividindo bairros ao meio, deixando as pessoas separadas de escolas, postos de saúde, igrejas, além de destruir a economia local”, declarou o secretário de Governo de Betim, Guilherme Carvalho. 

De acordo com o professor de direito público do Centro Universitário UNA Carlos Barbosa, o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), sancionado em 2014, estabelece regras para as parcerias entre o poder público e as organizações sem fins lucrativos. “Mesmo que a lei não expresse que o governo precisa publicar o chamamento, muitas vezes as próprias organizações fazem isso para que outras associações participem do projeto”, afirma Barbosa, completando: “A administração pública, não basta ser honesta, tem que mostrar que é honesta. Isso se faz com transparência”. 

A Seinfra defendeu a parceria com o MBC. “Os estudos para o projeto são necessários para completa configuração dos elementos técnicos, econômico-financeiros e jurídicos do projeto e são usuais em projetos dessa magnitude, como diversas experiências de Minas Gerais e outros Estados indicam”, afirmou. 

Empresas 
Uma das empresas que estariam atuando no projeto do Rodoanel é a Systra Consultoria e Engenharia, que também elabora estudos para corporações privadas que têm interesse em obras de concessão. No seu próprio site, a Systra afirmou que “foi contratada por um grupo de empresas interessadas no sucesso do Programa de Concessão de Rodovias do Estado de Minas Gerais para realizar um estudo técnico capaz de avaliar o sistema rodoviário estadual e definir lotes passíveis de exploração”. A própria Systra pediu à Prefeitura de Betim, no início do ano, informações sobre a proposta alternativa do município. Representantes da empresa também participaram de audiências públicas do Estado.

A Seinfra disse que não possui contrato com a Systra sobre estudos do Rodoanel. Procuradas pela reportagem, a Systra, a Vale e o Movimento Brasil Competitivo não responderam aos contatos.