O município de Betim, na região metropolitana de BH, obteve uma importante vitória, na manhã desta quarta (17), na luta travada contra a empreiteira Andrade Gutierrez, que cobra cerca de R$ 500 milhões da cidade alegando obras realizadas no passado na cidade. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou, por unanimidade, a suspensão dos pagamentos dos precatórios, o que levaria as contas públicas do município ao colapso.
A Corte Especial do STJ, formada por 15 ministros mais antigos – apenas um, Felix Fischer, estava ausente devido a uma licença de saúde, confirmou a liminar que havia sido concedida pelo presidente do tribunal e relator do processo, ministro Humberto Martins, em 2020, que impede que o município seja obrigado a pagar os valores milionários à empreiteira.
A decisão ocorre depois de o município ter ingressado no STJ, no ano passado, requerendo a suspensão dos pagamentos dos precatórios. Isso porque uma ação popular, de 2016, que questiona a cobrança, assinada pelo advogado Joab Ribeiro Costa em nome do radialista betinense Luiz Antônio Germano, havia obtido uma primeira liminar suspendendo os pagamentos.
No entanto, o TJMG cassou essa liminar, em outubro de 2020, e obrigou a prefeitura a fazer os pagamentos em um prazo de dez dias. O município, por meio da Procuradoria Geral, e o escritório de advocacia Décio Freire ingressaram com um pedido de suspensão no STJ, que deferiu nova liminar cancelando a cobrança dos precatórios contra Betim e restabeleceu os efeitos da ação popular até o julgamento do mérito dessa ação.
Martins concedeu a liminar em novembro de 2020, após o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) julgar improcedentes os recursos do município, atendendo a um pedido da construtora.
O STJ foi acionado pelo município, e o presidente do órgão votou em favor da cidade, em novembro de 2020, usando a prerrogativa que só cabe ao presidente do STJ quando há riscos graves de danos irreversíveis à economia popular e aos serviços públicos.
Após a AG ingressar com recurso de agravo no STJ, foi marcado o julgamento para setembro, mas o ministro João Otávio de Noronha pediu vistas. Assim, ontem, o julgamento foi retomado, e todos os ministros presentes votaram contra o recurso.
Caso a decisão fosse desfavorável ao município, Betim teria que pagar R$ 130 milhões como parte do valor dos precatórios da AG. “O município sustenta grave lesão à ordem, à segurança e à economia pública, pois o pagamento representa 10,3% de toda a receita corrente líquida. Não há dúvida de que o fato em si do pagamento do precatório vai comprometer o andamento dos serviços públicos em alguma área, como educação, saúde, pagamento de pessoal, entre outras, pois não haveria como fazer em dez dias as respectivas ordens de pagamento”, destacou no voto o ministro João Otávio de Noronha.
“A vitória que obtivemos no órgão especial do STJ traduz aquilo que está sendo agora a tônica de todas as ações, a confirmação de que é uma dívida extremamente mal documentada, inexistente, ainda mais agora, com esse laudo que obtivemos do MP de São Paulo. A cobrança que recebemos, no fim do ano passado, não poderia ocorrer, sob pena de comprometer os serviços essenciais do município”, ponderou o procurador de Betim, Bruno Cypriano.
O advogado Joab Ribeiro Costa, que assina uma ação popular movida contra a AG em nome do radialista Luiz Germano, comentou a decisão: “A liminar foi confirmada de forma unânime pelos membros de um órgão colegiado. Isso traz estabilidade e segurança para Betim, além da tranquilidade, porque as contas do município poderiam ser bloqueadas. Também nos dá mais tempo para provar todas as fraudes dessa cobrança inexistente para tentar anular essa dívida no processo judicial que ingressamos. É uma vitória muito importante”.
Pedido de anulação à vista
O laudo que atestou a assinatura falsa no documento usado pela Andrade Gutierrez para cobrar valores milionários de Betim, segundo o procurador geral de Betim, Bruno Cypriano, poderá motivar uma Arguição de Descumprimento dos Direitos Fundamentais (ADPF), solicitando anulação dos precatórios que a AG já negociou ilegalmente com o Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios Masone, constituído em sua maioria (66%) por outras operações de compra de precatórios da própria construtora.
Em 2 de outubro de 2020, quatro dias antes de o TJMG julgar os recursos da AG sobre os pagamentos cobrados de Betim, a empresa vendeu os precatórios que cobra do município a Fundo Masone.
A operação chamou a atenção porque esse tipo de negociação, apesar de ser legal, é permitido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) desde que os precatórios não estejam bloqueados, o que não era o caso. Como o TJMG ainda não tinha julgado o pedido da construtora, os precatórios estavam judicialmente bloqueados. Mesmo assim, o fundo Masone os adquiriu.
Segundo o advogado Joab Costa, o fundo Masone pode ser uma caixa-preta para ocultação de operações fraudulentas, investigadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. Os R$ 380 milhões do fundo ligado a operações da AG podem representar ilícito financeiro. O Fundo Masone abriga também créditos da Renova, empresa da Cemig e da Andrade que deixou R$ 3,2 bilhões da dívidas.