Rio Paraopeba

Prejuízo incalculável: uma vida de conquistas destruída pela lama em Betim

Moradores viram casas, plantações e comércios ser invadidos por uma água barrenta, que destruiu tudo. Conheça relatos de quem foi prejudicado

Publicado em 20 de janeiro de 2022 | 22:43

 
 
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A lama do rio Paraopeba invadiu casas, ruas e plantações e destruiu tudo pela frente, uma vida inteira de conquistas que se perdeu em horas para moradores de Betim. A reportagem conversou com alguns moradores que tiveram a vida virada de cabeça para baixo, tentam ainda assimilar o que aconteceu e buscam forças para remoçar. 

O produtor rural André Luiz Damasceno tem duas propriedades à beira do rio, uma na região do Citrolândia e outra no Vianópolis. As duas estão debaixo de lama.

“Não dá nem para calcular o prejuízo ainda. Só sei que eu tinha 22 hectares de plantação de milho, que daria umas 4.400 sacas, cada uma a R$ 85 em média. Tinha 20 mil litros de cachaça do alambique, inaugurado em 1978, com o litro custando R$ 15. Entregava cem caixas de abóbora na Ceasa a cada dois dias, custando R$ 50 cada. Além disso, tinha criação de 3.500 peixes. Havia também as vacas que davam leite, e eu produzia queijo. Não sobrou nada. Já tivemos outras enchentes, mas vinham água e areia, pouco barro. Desta vez, não. Veio barro pesado, grudento, de minério. Meu avó começou as atividades nas nossas terras, meu pai continuou, eu estou agora, e nunca ocorreu de perder tudo de uma vez”, conta.

5.000 salgados perdidos

Quando deixou a casa no dia 8, a salgadeira Neide Nunes de Oliveira não imaginava que, quando voltasse, tudo estaria perdido. A lama entrou na sua casa e destruiu todo o material armazenado que ela tinha.

“Eram cerca de 5.000 salgados. Trabalho com festas, tinha encomenda e perdi tudo. Entrou lama nos dois freezers, na geladeira, acabou meu estoque, material que uso para fazer os salgados. Tudo foi embora”, lamenta. 

Ela conta que, quando saiu, colocou o material em caixas e deixou no alto, assim como outros objetos. Mas a sujeira chegou ao teto. “Estou tentando ver se salva alguma panelas. Minha casa é nova, comecei a construí-la em 2019. Eu não estou tendo nem lágrimas mais pra chorar nem palavras para descrever o que aconteceu aqui”, desabafa. 

‘Até os 20 reais por dia a Vale tirou de mim’

Miriam Matias tem um pequeno comércio às margens do rio Paraopeba. Após o rompimento da barragem da Vale de Brumadinho, em 2019, ela viu o movimento quase sumir. “Meus clientes eram pescadores. Depois que a barragem se rompeu, sumiram todos. Fiquei aqui vendendo R$ 20 por dia”, conta.

Mas o comércio dela foi invadido pela lama até o teto com as enchentes dos últimos dias. “Até os R$ 20 que eu ganhava por dia a Vale tirou de mim agora, com essa lama cheia de minério. Minha vida financeira foi destruída”, revolta-se.

Enxoval de bebê foi todo perdido na enchente 

Com nove meses de gravidez, a jovem Ludmilla Silva viu a vida virar de cabeça para baixo. Às portas de dar à luz, ela teve a casa onde morava interditada após o imóvel ser invadido pela lama.

“Cheguei a levar os móveis para o segundo andar da casa da minha cunhada, pensando que a lama não ia chegar àquela altura, mas chegou e acabou com tudo: roupas, brinquedos das crianças, enxoval da bebê. Tivemos que jogar fora porque não sabemos o que tem na lama”, lamenta.

Para piorar, o marido, Douglas Silva, ficou desempregado. O casal tem mais duas crianças pequenas.

Cheiro insuportável e móveis destruídos

A casa do motorista de aplicativo Alexandre Ferreira fica no bairro Cruzeiro. A lama tomou conta do quintal, entrou na casa e chegou ao teto. As árvores frutíferas do terreiro acabaram. Tudo que estava no imóvel foi jogado na rua para que seja recolhido e descartado.

“É uma vida de 47 anos que agora está na lama. Graças a Deus, a gente está vivo. Mas é triste você ver tudo o que conquistou acabar tão rápido. Não é isso que a gente pensava quando chegou aqui, há cinco anos. Em novembro, eu fiz uma reforma na casa, comprei um colchão novo, ainda estou pagando, mas, agora, tá aí, no meio da lama. As galinhas que tinham aqui morreram porque o barro as encobriu. Não tenho coragem de comer as frutas do terreiro”, conta ele, desolado. 

Foi para abrigo e segue com sua missão

Maria Margarida Alves também teve que sair de casa. Atualmente, ela está no abrigo da escola Frei Edgar Groot. Mas a sua força de vontade só cresce. Mesmo sem residência, ela não parou de trabalhar para contribuir com a cidade. Maria é gari e não deixou de fazer seu trabalho nem mesmo sem casa para morar. 

“A água foi até no andar de cima, dava para ver só os tijolos. Deu tempo de tirar os móveis e os eletrodomésticos, mas eles molharam na chuva durante a mudança. Sobrou muito pouco, e nem sei por onde recomeçar. Mas eu continuei trabalhando”, diz.