Batalha judicial

Betim: Justiça barra cobrança irregular da Andrade Gutierrez

Maioria dos desembargadores do TJ foi favorável ao recurso da ação popular movida pelo radialista Luiz Antônio Germano, contra a cobrança que a empreiteira faz ao município

Publicado em 14 de setembro de 2022 | 14:38

 
 
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A batalha judicial que o município de Betim, na região metropolitana de BH, trava contra o pagamento dos precatórios da dívida de R$ 500 milhões que a Andrade Gutierrez (AG) cobra irregularmente por supostas obras realizadas há quase 40 anos na cidade, ganhou um novo capítulo na última terça-feira (13), favorável a população betinense. 

Por 3 votos a 2, os desembargadores da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) foram favoráveis ao recurso da ação popular, assinada pelo advogado Joab Ribeiro Costa, em nome do radialista betinense Luiz Antônio Germano, contra a cobrança que a AG faz a Betim. Com isso, o pagamento dos precatórios segue suspenso até o julgamento do mérito da ação popular, por meio de decisão proferida em 2019 e referendada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2021.

"No primeiro julgamento, ocorrido no mês passado, o TJ decidiu a favor do município por 2 votos a 1. Agora, o processo passou por um novo um julgamento, que teve três dos cinco desembargadores favoráveis ao nosso recurso. Assim, Betim continua não correndo o risco de ter as contas públicas bloqueadas ou ser surpreendida pela ordem judicial de sequestro de valores para pagamento dos precatórios fraudulentos cobrados pela Andrade Gutierrez, até se esgotarem todos os recursos relacionados à causa”, explica o advogado.

"Desde que foi ajuizado processo da ação popular, sabíamos que seria uma batalha ferrenha, mas com muita fé e orações, estamos tendo êxito", pontua o radialita que moveu a ação popular.

Durante o julgamento dessa terça (13), a defesa incluiu uma nova denúncia no processo: a de que a Andrade Gutierrez, mesmo antes de transitado em julgado todas as ações que questionam a cobrança, teria vendido os precatórios para o Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios Masone. O advogado Joab Costa requereu a juntada no processo da escritura pública referente à venda dos direitos creditórios ocorrida em 2020, na cidade de São Paulo. O valor da negociação, contudo, ainda é desconhecido.

"Isso vai dar um novo rumo à ação. Ao que tudo indica, esse fundo também revendeu cotas, ou frações, dos precatórios para outros fundos. Ou seja, mesmo havendo processos questionando a cobrança e ordem judicial de suspensão do pagamento,  a empreiteira está fazendo negociatas com os precatórios. O produto da dívida fraudulenta está sendo dissipado, à luz do dia e às barras da Justiça. Queremos que o Fundo Masone também preste esclarecimentos e integre a lide”, esclarece Joab.  

Para o procurador geral do município, Bruno Cypriano, “essa operação nada mais é do que uma negociata ardilosa para esconder o dinheiro”. “Se algum dinheiro cair neste fundo, a cidade não terá como reaver nenhum centavo desse valor”, explicou.

A ação popular

Ingressada em 2016, a ação popular questiona a origem do débito cobrado pela construtora e busca a reparação do dano. Segundo Joab, isso porque foi constatado que, durante o contrato e após o término dele, houve pagamentos indevidos feitos pela prefeitura na época à empreiteira.

"Causaram dano ao erário durante o contrato, porque não há provas documentais que relatam a entrega das obras e a execução efetiva delas. Foi feita uma confissão de dívida, mas demoraram quase dez anos para ingressar com a cobrança na Justiça. Não é normal esperar esse tempo todo para executar cobrança. É um processo repleto de fraudes. Então, a ação popular pede a anulação do precatório e requer o ressarcimento ao erário público do que foi pago indevidamente", esclarece Joab.

Ainda conforme o advogado, além de um laudo já ter comprovado que as obras foram pagas com muito acima do contrato, há um laudo grafotécnico que mostra que a origem da cobrança também teria sido feita com um documento fraudado, como a que utilizou assinatura falsa do ex-prefeito Osvaldo Franco. 

Entenda o caso

A dívida de mais de R$ 500 milhões cobrada pela empreiteira Andrade Gutierrez seria por supostas obras realizadas em Betim entre 1979 e 1982. Com a exigência de pagamento desse valor, as finanças do município entrariam em colapso, com o risco de suspensão até de serviços públicos essenciais.

Além da ação popular, a cobrança é questionada pela Procuradoria Geral de Betim, com inquérito instaurado pela Polícia Civil de Minas e procedimentos do Tribunal de Contas da União (TCU).

Em 2021, um laudo pericial elaborado pela Universidade de São Paulo (USP), em conjunto com Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEx), do Ministério Público de São Paulo (MPSP), considerado o melhor centro de criminalística e grafotécnica, também confirmou falsificação de assinaturas de agentes públicos na época em que as obras supostamente foram realizadas pela Andrade Gutierrez em Betim, como a do então prefeito de Betim, Osvaldo Franco, que administrou a cidade no início da década de 1980, e a do ex-secretário da Fazenda José Dirceu da Silveira.

Na ocasião, o MPSP pediu outros documentos da mesma época para conferir o carimbo do documento e concluiu ser divergente e sem similaridade, atestando a falsidade. O próprio cartório respondeu ao órgão que, como não consta assinatura, o documento não foi autenticado. 

Em 2019, as assinaturas falsas já haviam sido comprovadas por uma perícia independente em Minas Gerais realizada pela Ajna Perícias Especializadas. Além das assinaturas, os nomes de envolvidos também estavam redigidos de forma errada, com o "w" no lugar de "v" de Osvaldo Franco.

Outro erro de grafia era do então secretário da época, José Dirceu da Silveira, que, no documento forjado, traz "Oliveira" no lugar de "Silveira". A perícia da Ajna também atestou rasuras que suprimiram parágrafos de cláusulas no documento.

A reportagem aguarda posicionamento da Andrade Gutierrez sobre a decisão dessa terça-feira (13).