Um fenômeno tem tomado conta de várias postagens no TikTok. Perfis de usuários com relatos de como seria navegar na dark web, popularmente conhecida como a parte obscura da internet, vêm atraindo novos seguidores e, claro, muitos cliques. Vídeos e fotos ligados à prática de violência e possíveis conversas entre pedófilos com pessoas que se passam por menores de idade ganham engajamento.
Mas o conteúdo que atrai curiosos e desperta o interesse de milhões de pessoas revela inúmeras atrocidades encontradas no “subsolo” do mar virtual.
“O conteúdo mais chocante da dark web são os filmes e as fotos de pornografia infantil. Segundo a Ecpat, uma coalizão internacional de organizações da sociedade civil que luta contra a exploração sexual de crianças e adolescentes, há até mesmo vídeos ao vivo em que crianças são coagidas a realizar atos sexuais”, relata a advogada criminalista e presidente da Comissão de Direito Digital da OAB-MG, Chayana Rezende.
A profissional também destaca que outros crimes muito comuns na dark web são o tráfico de drogas e o de pessoas. “Pela facilidade do anonimato, a dark web é o território preferido de hackers, piratas digitais e criminosos. No caso do tráfico humano, o esquema funciona de forma parecida com a de um leilão: quem pagar mais leva”, explica Chayana.
A advogada ressalta que os mantenedores desse tipo de site criminoso duvidam de qualquer e-mail de contato e enfatizam que é um lugar “apenas de negócios”: “Para seguir adiante nas conversas, é exigido que o interessado deposite um sinal, que poderá ser um dinheiro perdido para sempre”.
Segundo a especialista, a pena pelo crime de tráfico humano pode variar de quatro a oito anos reclusão, além de multa. Já nos casos de venda de ilícitos, a pena pode chegar a até 15 anos de detenção.
Engana-se quem pensa que os crimes cibernéticos estão restritos ao tráfico de droga e humano. Segundo o professor universitário de tecnologia da informação Ilo Rivero, é comum também que “desafios” sejam elaborados e organizados na dark web antes de chegarem aos adolescentes na internet aberta.
“Muitas vezes, esses desafios surgem nesse espaço porque as grandes empresas estão buscando fazer uma moderação desses conteúdos que incitam a violência na navegação aberta. Por isso, muitas vezes, os criadores desse tipo de material fazem isso na dark web, justamente para dificultar a chegada até a fonte iniciadora”, destaca Rivero.
Uma das últimas vítimas dessas ‘brincadeiras perigosas’ foi o menino João Victor Santos Mapa, de apenas 10 anos, que morreu após inalar meio vidro de desodorante aerosol em Belo Horizonte para cumprir um desafio visto na internet: inalar o gás pelo maior tempo que a pessoa conseguisse.
No mês em que são fortalecidas as ações de conscientização sobre o suicídio, o Setembro Amarelo, é preciso jogar luz também sobre grupos que se formam na dark web para induzirem pessoas que já estão vulneráveis a atentarem contra a própria vida.
“A gente sabia que ela conversava com pessoas estranhas, em sites que nunca tínhamos ouvido falar. Não era a internet, igual a gente usa, sabe?!”, contam familiares de uma adolescente da cidade vizinha de Igarapé que cometeu suicídio neste ano. Em 2021, no Distrito Federal, um grupo chegou a ser investigado pela Polícia Civil por estimular o suicídio de jovens vulneráveis na dark web.